Um dia de paz

Por acidente de trabalho, num sábado do início de 1.985, tive a mão esquerda amputada de forma traumática numa serra circular. O ano em si já começara conturbado pela grave doença do primeiro presidente civil brasileiro depois de 20 anos de administração militar.

Para muitas pessoas como eu, com essa sequela de poliomielite que torna as pernas, em graus variados, incapazes de responder a estímulos motores, as pequenas variações do piso podem causar desequilíbrios. Foi o meu caso. Com a perna ereta, mantida assim pelo uso do aparelho ortopédico, além de não me ser possível o controle natural dos movimentos, uma pequena apara de madeira no chão, causou uma queda. Isso me fez passar a mão esquerda pela lâmina de 48 dentes que girava com um zumbido característico a 5.200 rotações por minuto. Eram mais de 85 golpes de cada dente por segundo. Se contarmos os 48 biseis, são aproximadamente, 4.160 impactos por segundo. É muita coisa. E é assustador.

Por outro lado, esse foi o ano do segundo campeonato vencido pela minha querida e bela Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel, que cantou lindamente na avenida: “Quero ser a pioneira para erguer minha bandeira e plantar minha raiz”. Mais um samba maravilhoso entre tantos dessa Escola de inúmeras glórias. Nas condições em que eu estava, seria, claro, muito difícil de conseguir fazer qualquer comemoração por aquele feito espetacular da Mocidade. Foi tudo muito corrido, pois a celeridade era imprescindível, para que se pudesse fazer o reimplante da mão. Muita tensão pela urgência, pelos altos custos do procedimento médico-hospitalar e os dispendiosos trâmites logísticos, considerando que o acidente ocorreu em Belo Horizonte e a tentativa de reimplante seria em São Paulo.

Para tentar minimizar o baque, “adaptávamos” a história para situações fictícias, de humor questionável, mas que produziam um certo alívio para a informação do evento real.

Apesar do sucesso no tratamento, as consequências geraram angústia, depressão, medo e, em alguns momentos, grande desespero em razão das perdas e das dificuldades para recuperação. Foram necessárias outras pequenas intervenções ao longo da fase de cicatrização. Incluindo transplante de pele e veias retirados do pé, da virilha e da cocha direitos.

No final daquele ano, já de volta a BH, o Natal, que deveria ser um momento de alegria e reencontros, me parecia um tempo de sombras. Com poucas esperanças quanto ao futuro, atônito quanto ao fato de reduzir minhas chances, com pernas débeis, uma das mãos com funções reduzidíssimas e uma dívida estratosférica, o desânimo se instalou. Para complicar, era um tempo de inflação próxima aos 70% ao mês, o que tornava as dívidas absurdamente altas.

Via, então, na tv, um episódio da série americana “Jeannie é um Gênio”, de Sidney Sheldon, estrelada pela belíssima Barbara Eden e refletíamos sobre o gênio da lâmpada de Aladim. Que maravilha seria se encontrasse aquele amuleto enquanto me esquivava dos cobradores…

Um dia de paz.

Qual pedido você faria se encontrasse?

Resposta na ponta da língua:

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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