Tempo de Viver
Uma das grandes preocupações de algumas pessoas, especialmente familiares, intui a dúvida quanto à capacidade das Pessoas com Deficiência gerar filhos. Passei pelo constrangimento por uma linda namorada me substituir por outro, na adolescência, por esta avaliação equivocada. Minha disposição para justificar determinadas coisas àquela época tendia à nulidade. Assim, quando informou sua decisão, disse a ela que estava tudo bem e ela condescendeu:
– Você é tão “compreensível”.
Sua colocação me tranquilizou de pronto. Foi melhor assim.
A grande maioria das deficiências motoras não afetam, necessariamente, o sistema reprodutor. Especialmente as sequelas de poliomielite, como é o meu caso, que afetam majoritariamente, membros inferiores, pernas; podendo também atingir membros superiores, sistema respiratório ou, até, causar óbito.
“Tempo de Viver” foi uma telenovela da extinta Tupi (1972), que, mesmo não tendo grande sucesso, serviu para mostrar outras formas de ver o cotidiano das pessoas, suas relações e posturas, por um prisma diferente do padrão da época. Mudanças causam estranhamento. Conviver com minha deficiência demandou aprendizados para além dos costumes rotineiros.
Quando o doutor Honoris-Causa, Martinho da Villa, lançou o ótimo samba “Tom Maior”( 1969), tratando da expectativa de chegar seu primeiro rebento, que ele esperava ser um menino, eu nem sonhava em ter filhos ainda. Depois de algumas regravações daquela bela música que ainda fazia muito sucesso, lancei
mão de sua letra para curtir, com imensa alegria, a gravidez que, em 1993, me daria o maior presente que a vida poderia legar: o nascimento de meu filho. E foi uma imensa alegria e preocupação, pois eu não jogava bola, não andava de bicicleta, nem mesmo de patinete. No entanto, conforme dizia a música, eu poderia “fazê-lo andar, falar, cantar, sorrir”, e ainda “amar a liberdade” e “cantar em tom maior”.
Para passear com aquele bebê, precisava imaginar opções criativas. Uma delas foi transportá-lo numa espécie de sacola que eu poderia carregar com uma das mãos enquanto a outra ficava disponível para proteger contra uma eventual queda ou usar muros e paredes para auxiliar no equilíbrio. Depois veio a ideia de usar um “canguru”, que me liberaria ambas as mãos.
Importa observar que nós, os “triangulares” sequelados de pólio, temos habitualmente o ‘centro de gravidade’ muito alto, por isso tanto desequilíbrio no deambular. Nossa estrutura superior, braços e ombros, normalmente são muito desenvolvidos, enquanto as pernas atrofiadas, são bem mais leves. Com isso, o uso do tal “canguru” facilitava por um lado, mas comprometia ainda mais o equilíbrio, por aumentar a massa superior, elevando ainda mais o baricentro.
Nem tudo era adversidade naquele contexto de pai PcD, se derretendo em orgulho por seu amado filho. Com o uso desse tipo de bolsa, o filhote fica de frente para quem o transporta. Enquanto caminhava pela rua inclinada em que morávamos, me preocupava com sua segurança. Embalado pela irregularidade de meus passos, seu corpinho balançava como um pêndulo e ele, talvez entendendo tratar-se de alguma brincadeira, se ria em longas e gostosas gargalhadas. E a vida, complacente, me sorria também.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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