Tá difícil pra você?
Imagine uma situação desesperadora, com risco de morte e completamente sozinho.
É muito comum que as PcD sejam instadas a demonstrar força, habilidade ou inteligência, como predicados muito acima da média. Talvez se busque nelas alguma justificativa que “compense” sua deficiência, até para apresentar como heroísmo por ações que em outros fossem apenas ações ordinárias da vida. É natural que algumas funcionalidades sejam exercidas por membros ou sentidos diferentes em PcD, pois há, claro, uma necessidade de adaptação. Mas somos apenas humanos, com erros e acertos, carências e competências, tristezas e alegrias.
Quando ainda estudava na Escola Técnica Federal de MG, tive a oportunidade de fazer um estágio de um mês na Usiminas, Ipatinga. Na área de Laminação a Frio, ambiente industrial novo e fascinante. Máquinas fantásticas que produziam de um lingote enorme e ardente a lâmina delgada transformada numa imensa e pesadíssima bobina. Transportada por eletroímã, pela ponte-rolante ao estoque e, às vezes, direto para um caminhão. Os profissionais percebiam, achando graça, minha admiração. Alguns se preocupavam com meu andar instável por aqueles perigosos corredores e travessas.
Um deles falou de uma lagoa particular da empresa. A Lagoa Silvana. Para pescar, nadar ou passear de barco.
Seria apenas o mês de férias. Aproveitei para conhecer o lugar. Fui até lá e havia apenas um funcionário. Não tinham frequentadores naquela época e se eu quisesse, poderia pegar um barco amarrado na margem. Que eu tomasse cuidado para não perder os remos, para não ter que me buscar.
Antes dessa experiência, remei barcos pesados no Parque Municipal, do centro de BH. E aqueles ali eram similares aos da capital, então seria fácil, avaliei.
Deixei as roupas, calçados e aparelho ortopédico num quartinho que servia de vestiário, andei com dificuldade os seis metros até a orla e entrei num dos barcos de madeira. Com o remo apoiado numa pedra, empurrei o barco para a água. Que sensação maravilhosa. Com algum esforço remei para longe do simulacro de ancoradouro. Havia comprado uma sunga nova e queria experimentá-la. Coloquei os remos dentro do barco, apoiei a mão esquerda no banco e a direita na borda e cai na água gelada. Mergulhei para tentar encontrar o fundo, mas era além de minhas forças. Retornei. Qual não foi minha surpresa quando bati a cabeça no fundo do barco. Não estava ancorado, então, naturalmente, havia se movido. Virei um pouco o corpo e mergulhado, tentei encontrar a saída. De novo cabeça no fundo do barco. O ar estava acabando. O risco parecia aumentar com o tempo. Mais uma tentativa frustrada e agora acompanhada do medo de não conseguir sair daquela situação. Eu teria encolhido ou o fundo do barco se alargado? Assustador. Como último recurso me virei para o barco. Comecei a palmilhá-lo até poder emergir. Quando consegui estava arroxeado e prestes a desmaiar. Retornei ao assento e antes de remar de volta precisei de um descanso. Foi quando ouvi a distante voz do zelador:
Você ainda está aí? Está tudo bem?
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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