Sleep economy ganha espaço no Brasil com produtos e tecnologias que buscam promover bem-estar e facilitar o sono
O impacto da pandemia na qualidade e quantidade do sono deu o impulso necessário para que a sleep economy chegasse de vez ao Brasil, com marcas que prometem noites mais tranquilas para uma das populações que menos dormem no mundo
Com mais de 35 anos de experiência em medicina clínica e pesquisa do sono, o médico estado unidense Eric Nofzinger, ex-diretor do Programa de Pesquisa de Neuroimagem do Sono da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, decidiu ocupar um novo papel no seu mercado de expertise: o de empreendedor.
Usando um algoritmo de resfriamento inteligente, ele desenvolveu uma faixa com um fluido – projetada para ser colocada ao redor da cabeça antes de dormir – capaz de reduzir a atividade metabólica no córtex frontal do cérebro, que promete acalmar a mente acelerada no momento de deitar, permitindo que o usuário adormeça mais rápido e de forma mais saudável. Chamado de Cool Drift, esse dispositivo, da Ebb Therapeutics (startup fundada por Nofzinger), é só um entre uma avalanche de novidades que ganharam o mercado nos últimos anos com a proposta de ajudar as pessoas a dormir melhor.
Se antes a insônia e outros distúrbios do sono já eram um problema, a pandemia da Covid-19 acelerou esse mercado batizado de sleep economy, que traz, além das opções de medicina tradicional, produtos, serviços, aplicativos, remédios naturais e terapias alternativas que buscam promover bem-estar e facilitar o sono de boa qualidade. “Todo esse contexto que vivemos criou uma necessidade de novos produtos. A grande dificuldade é discernir, de todas essas novidades que chegam, quais são aquelas que funcionam das que não funcionam”, explica Gabriel Pires, biomédico e pesquisador do Instituto do Sono especializado em tecnologia.
Avaliado em US$ 432 bilhões em 2019, o mercado global da sleep economy tem a projeção de chegar a US$ 585 bilhões até 2024, segundo a Statista, empresa alemã especializada em dados de mercado. Não é para menos, só na área de sleep techs, que desenvolvem gadgets inteligentes para o sono, existem produtos da categoria bedding – que contempla todos os acessórios de cama inteligentes, como cobertores, travesseiros, colchões e capas capazes de mudar a temperatura da cama, fazer massagem e medir variáveis do sono – ou, como o Motion Pillow, que detecta, analisa e evita padrões de ronco, inflando um airbag na estrutura do travesseiro que possibilita ajustar automaticamente o posicionamento da cabeça do usuário, mantendo-o confortável enquanto facilita o fluxo de ar.
Fones antirruído, óculos de terapia de luz azul, a faixa de resfriamento Cool Drift e até relógios que emitem pulsações para o cérebro ou analisam a maneira como dormimos entram no grupo dos usáveis ou wearables, que são utilizados diretamente no nosso corpo. Perto da cama, ficam os nearables, que se resumem em dispositivos que promovem terapia de luz, despertadores inteligentes, difusores, gadgets de meditação e respiração guiada e também medidores de sono e de ambiente. Algumas dessas opções vão poder ser conferidas de perto em outubro do ano que vem, quando acontece a Sleep Well Expo, primeira feira nacional dedicada a produtos e tratamentos do sono.
Com uma das populações que menos dormem no mundo – como mostrou uma pesquisa publicada na revista científica Science Advances, em 2016, junto com os habitantes do Japão e Singapura –, o Brasil é um dos países com mais potencial para esse mercado. E, enquanto a maioria dessas tecnologias ainda não aterrissou por aqui, o que tem despontado e mostrado avanços são os aplicativos de terapia cognitiva comportamental para insônia (considerado hoje o tratamento padrão para o problema) e gadgets de diagnóstico do sono.
“O que esses aplicativos e dispositivos fazem é adaptar essa terapia ou exames aplicados por um psicólogo ou por um médico em consultório, que é caro, pouco acessível e, no caso da polissonografia, também incômodo, para uma plataforma inteligente. E geralmente o programa não é simplesmente telemedicina, não é conversar com um psicólogo por aplicativo, é um sistema que vai te guiando passo a passo para entender seu sono”, explica Gabriel Pires. “Esse movimento é muito recente, de cinco anos para cá, mas acreditamos que em breve já haverá modelos com inteligência artificial que dispensarão terapeutas em alguns casos, e o atendimento com um médico especialista vai ficar reservado para casos mais complexos em que existam comorbidades”, projeta Leonardo Ierardi Goulart, neurologista e coordenador do Grupo Médico Assistencial de Sono do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo o neurologista, outra vertente que tem se mostrado forte por aqui também é o uso das chamadas “terapias mente e corpo” no tratamento de pacientes com problemas para dormir. “As mais estudadas para depressão, ansiedade e burnout são ioga, meditação e tai chi chuan. Antes isso era esotérico, agora tem endosso neurocientífico com evidências robustas do impacto dessas técnicas milenares no cérebro e no sistema biológico de estresse, dando novas opções para os pacientes e também acessibilidade”, diz Leonardo.
É consenso entre os especialistas, porém, que todas essas técnicas e tecnologias ainda não são comprovadamente indutoras de sono, mas algumas podem funcionar como facilitadoras, promovendo uma sensação de bem-estar. “Desde que o que você estiver utilizando não atrapalhe ou acabe condicionando o sono, virando uma bengala na hora de dormir, você pode tomar seu chá, usar seu spray de lavanda ou sua fronha de seda”, diz Gabriel Pires. “O que é necessário entender é que um bom tratamento de insônia ou a busca por um sono de qualidade não está em induzir o sono, mas em tirar do caminho o que te faz dormir mal para que o sono aconteça naturalmente.” Como em todos os processos em busca de bem-estar, olhar para as emoções e para dentro é fundamental.
*Com informações da Vogue.