Respire, respire.

No início desse século fomos brindados com um filme emocionante. Nele, um pai enfrenta dificuldades financeiras enquanto representante de vendas de um produto inovador, porém desconhecido, precisando abrir mercado para se sustentar. Abandonados, pai e filho ainda criança, pela esposa impaciente, ele segue na difícil luta. “À Procura da Felicidade” (2006) de Chris Gardner, com Will Smith, Jaden Smith e a bela Thandiwe Newton, no papel de esposa, é baseado em fatos. O protagonista precisa atender e convencer eventuais clientes; prestar contas à empresa; sem recursos financeiros, sem onde morar, cuidando do filho, levando-o consigo, pois não há com quem deixá-lo.

Numa analogia simples, o tema da ótima música “He Ain’t Heavy… He’s My Brother (Ele não é pesado… ele é meu irmão) de Sidney Keith Russell e Robert William Scott; interpretada por Bill Medley e Jennifer Warnes (1990), e que embalou muitos corações apaixonados pela melodia, não pela letra, é outra mostra de dedicação e de apreço por pessoas e vida. O cerne da letra é o cuidado de um jovem por seu irmão PcD, sequelado pela guerra.

Esses enredos poderiam bem ser – e acredito que são – as histórias de inúmeras PcD, que enfrentam batalhas diárias, como o faz a maioria das pessoas. No entanto, precisam dividir sua atenção e energias com a própria deficiência. São instados a suportar uma carga constante, não com o amor dedicado a um filho ou irmão, mas como um peso inerte do qual não se pode libertar.

Além dos desafios diários, dispostos a quaisquer pessoas, as PcD são submetidas a adversidades particularizadas representadas por barreiras arquitetônicas ou naturais. E que seriam obstáculos facilmente transponíveis caso não houvesse a deficiência. O impacto é bastante significativo quando ausentes a força ou equilíbrio suficientes para sequelas motoras; a visão do caminho, para cegos; num mundo silencioso para surdos; ou distópico, como citado em 1865 pelo filósofo John Stuart Mill, para uma mente alheada.

É uma verdade tão consistente que o genial Chico Buarque, já em 1978, lançou a música “Pedaço de mim”, em que descreve, em diversas passagens, a quase indescritível enorme dor de perder um grande amor. Intui ser, tal dolorosa perda, “Pior do que se entrevar”, valendo-se de um termo já em desuso, para indicar uma PcD como “entrevada”. E em outra estrofe “Que a saudade dói latejada / É assim como uma fisgada / No membro que já perdi”; a indicar que a aflição é tão severa como sentir dor em um membro já amputado.

Ao comparecer para o meu primeiro concurso público, o local de provas era muito distante do ponto do ônibus disponível para lá chegar. Além disso, as salas de prova ficavam no segundo andar de um prédio com “pilotis”, portanto, com três lances de escadas. Para completar, não havia elevadores nem corrimãos. Acho que minha aprovação, num tempo em que nem se cogitava reserva de vagas para PcD, se deveu à simpatia do avaliador, que percebeu meu cansaço e suor e disse sorrindo: “Respire, respire…”

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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1 Comment

  • devemos parabenizar a revista por esse espaço. Infelizmente, é preciso admitir que grande parte da sociedade não compreende os desafios dos pcds, e o governo, embora nos últimos anos tenha adotado o discurso de “inclusão”, parece não se importar com mobilidade urbana, brille, libras e TEA. Somos todos responsáveis pela melhoria da qualidade de vida desse público.

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