Questões burocráticas de um puteiro

O puteiro da Dona Zezé ficava no bairro da Floresta, um dos mais centrais e tradicionais da capital mineira,na esquina de Francisco Salles com Assis Chateaubriand, duas avenidas onde predominavam residências de classe média alta. Era diferenciado na localização em em vários outros aspectos, passando por preço, qualidade do produto oferecido, assepsia e disciplina rigorosa.
Era preciso subir uma longa escada para chegar a uma campainha. Bastava acioná-la que o “leão de chácara”, abria uma janelinha. Documento em primeiro lugar. Bêbados e gente de aparência não condizente com o ambiente eram barrados. Menores, nem pensar. “xispa daqui moleque”!
Já dentro da afamada casa de tolerância ainda havia uma geral. Uma revista dos porteiros com seus impecáveis ternos pretos para ver se o cavalheiro estava armado.
Finalmente chegava-se ao salão. A luz típica, colorida mas tímida, refletia nos muitos espelhos. Eram vários conjuntos de sofás, cada um com seu tapete e tudo cercado de cortinas, numa breguice elegantérrima e única.
O som era mecânico e não tocava os clássicos dos puteiros mais populares. Nada de Lindomar Castilho,Odair José ou Agnaldo Timóteo. Ouviam-se trilhas sonoras internacionais de novelas da época ou aquelas melosas músicas italianas dos anos 60.
Num dos cantos do salão ficava o scoth bar, com um balcão comprido, prateleiras e espelhos com iluminação de gosto duvidoso e toda sorte de perfumaria etílica.
As “moças” não usavam trajes sumários que pudessem atentar contra os bons costumes. Nada de mini-saias ou decotes mais ousados, a regra era vestidos longos e os idefectíveis saltos altos, que faziam com que as mais franzinas damas parecessem mulherões.
A casa tinha a reputação de só contratar mulheres bonitas e de razoável nível social. Nada de “periguetes” ou “Barraqueiras”. Reza a lenda que a Dona Zezé as escolhia a dedo. Havia as puris do norte, mulatas de toda parte, galegas do sul e até uma japonesinha que arrebanhava uma grande clientela interessada nas “lendas orientais”.
Os olhares dos cavalheiros que acabavam de adentrar o recinto varriam o salão com aquele movimento panorâmico de câmera de cinema. As meninas se espalhavam pelos sofás,riam baixo e fumavam muito. Todos fumavam muito deixando o ar irrespirável, com aquele “fog” que justificava a alcunha de “inferninho” que tinham esses ambientes.
Para o cliente o primeiro passo era procurar uma mesa e fazer aquela cara de desinteressado que logo aparecia uma dama solícita e prestativa. A abordagem era discreta e sutil. Nada do “vamos fazem neném?” como no baixo meretriz. Ela perguntava se o distinto aceitava um drink e chamava o garçom, por sinal seu parceiro nas gorjetas e comissões. Era assim que funcionava. Quanto mais bebesse aquela carente criatura melhor para a casa e funcionários.
Uma cerveja custava duas vezes o valor médio dos bares da cidade. Uma prosaica porção de batatas fritas podia custar três vezes o valor de um bom PF em qualquer cantina.
A corte era simplória e falsa. Ela dizia que ele era muito bonito e não precisava estar ali, pois poderia ter qualquer mulher do mundo e ele retribuía elogiando cabelos, olhos educação e indagando como um mulher com tantos atributos poderia estar ali. Quando a prosa alongava muito e a dama sentia que “daquele mato não sai coelho” a saída era objetiva e profissional, um educado boa noite e o retorno ao sofá. Mas normalmente as conversas “evoluíam bem”, sabe como é, preciso disso para ajudar minha mãe doente e pagar meus estudos”. E vamos à fria realidade financeira na mais total ausência de romantismo dos números. Hora de saber preço e amplitude do programa.
Cardápio aberto, mas sem preços. Não havia uma tabela, apenas parâmetros. O arrazoado era alguma coisa em torno de 20% de um salário mínimo, para o trivial. Quando o cliente exigia mais complexidade e emoção a negociação se estendia. E as meninas valiam! Podiam ser trocados para políticos, empresários, jogadores de futebol, alguns bem assíduos. Para esses o tratamento era vip e até havia alguns cantos de maior penumbra e menos visibilidade reservados a eles. Mas para os sazonais menos abastados, contínuos, bancários, funcionários públicos, vendedores, era noite de extrema extravagância, para ser lembrada e contada por muito tempo.
Tudo acertado a caminhada para o quarto era quase um ato nupcial.O casal, de mãos dadas, percorria um corredor que ligava o salão aos quartos. Luzes sinalizadoras miúdas em cima de cada porta, umas seis de cada lado. Dentro da alcova o que se vê em qualquer motel mediano,porém mais espartano. Cama redonda, espelhos, som na cabeceira da cama, luzes encantonadas, mas sem tv, hidromassagem ou ar condicionado, apenas ventilador de teto.
Antes do ato final o cliente passava por um constrangedor ritual de averiguações. Calça arreada a profissional arregaçava o prepúcio do cidadão para afastar qualquer risco de doenças venéreas. Toda a genitália e pernas eram verificadas para descartar sarnas e outras micoses.
E vamos aos resfolêgos pois o mancebo já está ofegante. “Poxa, como vc é gata”. “ Sou toda sua meu amor”. “Amor”, mas sem beijos na boca que eram prontamente freados pela donzela. Abocanhar peitos também não era permitido. Eram tantas as restrições que, por vezes, o cliente se sentia lesado. O ato acabava consumando-se em um coito simples, entre unhadas e gemidos teatrais. Banho de gato no chuveiro por medida de economia. Dinheiro conferido e o fim do açúcar do chicletes. “Gostei muito de vc, volte sempre. Meu nome é Stephanny, com ph, dois enes e Ypslon. Não esquece”.

Luiz Bones

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