Quem sou?
Vejo o tempo brincar, correndo como num pega-pega infantil, a me olhar risonho pelo canto dos olhos enquanto se ri da minha morosa caminhada. E enquanto me arrasto entre o conhecimento da estrada e a fome de aprender, avalio os rastros de seu desvario que nunca para, na tentativa de tocar-lhe o espectro.
Mas ele é ágil, talvez efêmero. Queria alcançá-lo um dia. Pará-lo em momentos estratégicos da jornada, quando de alguma esquina surgissem amores, alegrias, sucessos. No entanto ele, sempre de costas para mim, persiste em sua rota impassível, indiferente aos meus anseios.
É bem verdade, no entanto, que também os encontros dolorosos, as perdas que ferem, os sonhos que se desfazem em alguns pontos da poeirenta via, não são suficientes para estancar seu ir a não sei onde. Às vezes sinto que ele acelera um pouco mais, me comboiando por uma larga pista, sem quaisquer obstáculos. Isso ocorre nos momentos de exaltação, de contentamento. Noutras vezes, a sensação é de que optou por sendas e vielas mal iluminadas, sombrias e estreitas, que dificultam os movimentos obrigando a uma lentidão consistente.
Ele, então graceja e me faz entender que o ritmo é o mesmo. Meus sentimentos é que me hipnotizam fazendo com que, iludido, deixe supor que os tempos bons são mais curtos que os ruins. E com seus olhos astutos induz a que eu olhe ao redor e perceba que as outras pessoas vivem em tempos diferentes do meu. Assim as agruras por que passei não foram compartilhadas por todos os caminhantes, assim como meus momentos de felicidade também não o foram. É a existência e o vagar de cada um, em momentos distintos ao longo dessa trilha que se alinham ou divergem conforme se trafega.
E nessa viagem a partir do ontem em busca do amanhã, quem sou eu? Por que tenho esses ou aqueles atributos ou carências tão diferentes de outros caminheiros?Se mesmo aqueles cuja trajetória se iniciou igual agora têm viveres tão díspares, que graça vê o tempo em nos confundir, em nos despistar?
Quando me percebo apenas como uma sombra, procuro a mim mesmo nos becos que entrecruzam o espaço entre o que sou o que quero ser. E desvio da rota determinada para perceber que todas os revezes me trouxeram de volta ao entretenimento do tempo. Nem sempre me encontro de imediato. No entanto, ainda que intempestivamente, volto a estar no domínio da consciência, no imaginário controle da vida.
Como já entendeu Reginaldo Bessa, na bela canção “O Tempo” (1978): – “O tempo não é, minha amiga, aquilo que você pensou…” Pelo menos para nós, homens comuns, o tempo é irreversível, incapaz de parar, insensível a tudo. Para os grandes gênios como Einstein e o inglês PcD, Stephen William Hawking, o
tempo é mais uma dimensão controlável sob circunstâncias muito especiais, no espaço sideral, relativizado quando analisado próximo a estrelas, planetas, buracos negros…
Mas nem arrisco a pensar em tal dimensão. Sou apenas um homem em conflito com o tempo.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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4 Comments
é… esse texto fez-me lembrar de Gregório de Matos, escritor brasileiro com um apelido não muito sugestivo…. “goza da flor da mocidade, que o tempo trata a toda ligeireza, e imprime em cada flor sua pisada…”. Tudo passa realmente muuuuito ligeiro…
Mário, seu texto é uma verdadeira obra-prima! A maneira como você personificou o tempo, quase como um ser brincalhão e inatingível, cria uma atmosfera poética e reflexiva que prende o leitor do início ao fim. A fluidez das palavras, a construção das imagens e a profundidade filosófica tornam a leitura envolvente e instigante.
Além disso, a conexão com os sentimentos humanos – a ânsia de segurar os momentos bons e a impressão de que os ruins se prolongam – é algo com que todos podemos nos identificar. Você conseguiu transformar uma reflexão universal em uma narrativa rica e sensível. O desfecho, atrelando a literatura à ciência, ainda adiciona um toque brilhante de erudição sem perder a leveza do texto.
Parabéns! É um texto que merece ser lido e relido.
O tempo já foi (e continuará sendo) tema recorrente em obras de arte humanas desde tempos imemoriais.
O certo é que o passado já passou, o futuro é uma incógnita e o presente é o que temos pra vivenciar alegrias e conquistas, bem como superar tristezas e desafios.
Querido amigo Mário Sérgio, parabéns por mais um inspirado, criativo, poético e reflexivo ensaio!
E que o tempo propicie a você e aos seus incontáveis felizes momentos nessa caminhada terrena!
Perfeito! Lendo esse texto me deparo com palavras escritas pelo meu pai, poeta, escritor, ele também gostava de brincar com as palavras, um sábio. Você Mário Sérgio Rodrigues Ananias puxou seu pai.
Ao ler seus textos, consigo, assim como quando lia os do meu pai J. Ananias, me transportar para dentro do texto e, como se estivesse em uma montanha russa, sentir todas as sensações que as palavras podem nos proporcionar!