‘Pulseiras do equilíbrio’: saiba como dois irmãos enganaram o mundo com acessório de silicone e simples hologramas
Por trás da promessa de melhorar o desempenho físico, que conquistou milhares de pessoas ao redor do mundo, havia uma fraude milionária
Em 2010, quando o BlackBerry ainda reinava entre os celulares e o primeiro iPad prometia mudar o mundo, um pequeno acessório capturou a atenção de milhões: a pulseira Power Balance. Ela oferecia, entre outros benefícios, melhorar “equilíbrio, força e energia”. Famosos e atletas se renderam ao seu encanto quase místico. No entanto, por trás desse simples acessório, que parecia oferecer tudo, estava uma verdade tão antiga quanto o próprio desejo: os milagres, às vezes, não passam de ilusões.
Como dois irmãos enganaram o mundo?
Em uma tarde nas ensolaradas praias de Orange County, Califórnia, os irmãos Troy e Joshua Rodarmel estavam surfando quando tiveram uma ideia pouco convencional: criar uma pulseira de silicone com dois hologramas e atribuir-lhe propriedades “mágicas”. Junto com o pai, fundaram a empresa Power Balance. Assim nasceu o que logo se tornaria um fenômeno global, embora a verdadeira magia estivesse em algo muito mais surpreendente.
Entre as “maravilhas” atribuídas à pulseira, destacava-se sua capacidade de aumentar a “força, energia, equilíbrio e coordenação”, mas claro, isso não era o suficiente. Ela também prometia melhorar “a resistência, a flexibilidade” e, para completar, fazia de quem a usava um mestre do foco e da concentração. Praticamente um super-herói apenas por usá-la no pulso!
Os irmãos Rodarmel explicaram seu invento à revista esportiva Slam da seguinte forma: “Conseguimos incorporar frequências em hologramas que interagem de forma positiva com o campo magnético do corpo. Tudo no mundo tem uma frequência, como os celulares, o Wi-Fi ou as ondas de rádio, e essas frequências interagem entre si.
Algumas têm efeitos negativos no corpo, mas outras geram efeitos positivos. Descobrimos como ‘capturar’ essas frequências em um holograma que, ao entrar em contato com o corpo, melhora seu equilíbrio, força e flexibilidade.”
A chave do sucesso: um amuleto da moda
As primeiras 50 mil pulseiras Power Balance foram distribuídas no campeonato de surfe “US Open of Surfing” em 2007, realizado em Huntington Beach, Califórnia. Esse evento foi crucial para divulgar o produto, captando a atenção dos presentes e gerando um grande interesse inicial.
Assim, a pulseira apareceu no mercado norte-americano, custando apenas 30 dólares e prometendo “ajudar a equilibrar a energia natural do corpo”. Em poucos meses, o acessório se tornou um fenômeno, seduzindo tanto atletas de elite quanto o público em geral, que rapidamente aderiu à febre, convencidos de que esse pequeno objeto tinha o poder de transformar seu desempenho físico.
O fato de muitas celebridades usarem as pulseiras no pulso foi a chave para o sucesso. Esse fenômeno criou um efeito de “credibilidade midiática”, que ajudou a aumentar consideravelmente as vendas e transformar a pulseira em um verdadeiro amuleto da moda. Em 2010, a empresa relatou vendas de 35 milhões de dólares.
A pulseira primeiramente conquistou o mundo dos esportes: estrelas da NBA como Shaquille O’Neal e Kobe Bryant a exibiam em suas enterradas. É possível imaginar uma promoção melhor? O piloto de Fórmula 1 Rubens Barrichello e os jogadores de futebol David Beckham e Cristiano Ronaldo também a usaram.
Muitos acreditaram que a pulseira era a chave para seu desempenho superior… Depois, chegou ao pulso de nobres, como a infanta Elena, e de estrelas de cinema como Leonardo DiCaprio e Lindsay Lohan.
Para demonstrar os “incríveis” efeitos da Power Balance, eram sugeridos alguns testes simples, mas reveladores. Primeiro, a pessoa deveria ficar em uma perna enquanto alguém a empurrava no braço para derrubar seu equilíbrio. Depois, vinha o segundo teste: em pé, outra pessoa tentava desestabilizá-la pressionando com o punho.
Por último, um exercício de torção: girar o tronco com o braço estendido o máximo possível. O truque estava em repetir tudo, mas dessa vez com a pulseira no pulso. Se tivesse sorte (ou acreditasse o suficiente), a pessoa de repente deveria se manter firme, equilibrada e, claro, girar muito mais.
Em um mundo onde muitos sonham alcançar a perfeição física e mental, a Power Balance parecia oferecer a fórmula mágica: melhorias imediatas no equilíbrio, na força e na flexibilidade.
A queda do gigante
Mas, como é sabido, “nem tudo que reluz é ouro” e a verdade não demorou a aparecer. Inúmeros estudos científicos começaram a questionar sua eficácia e revelaram que os efeitos prometidos não passavam de ilusões psicológicas, conhecidas como “efeito placebo”. Ou seja, todo aquele equilíbrio e força não vinham de nenhum holograma especial, mas da crença que os usuários depositavam na pulseira. Concretamente, os superpoderes não estavam no silicone, mas na imaginação.
Os primeiros a perceber o golpe foram os europeus. A Federação de Associações de Consumidores e Usuários da Andaluzia denunciou a Power Balance, e no final de 2010, na Espanha, a empresa foi multada em 15.000 euros por propaganda enganosa. Em seguida, houve denúncias e multas na Itália e na Austrália.
A Comissão Australiana de Concorrência e Consumo (ACCC) obrigou a empresa a reconhecer que suas afirmações sobre melhorar força, equilíbrio e flexibilidade eram enganosas. Em comunicado, a empresa afirmou: “À época, afirmamos em nossas publicidades que as pulseiras Power Balance melhoravam a força, o equilíbrio e a flexibilidade.
Mas agora admitimos que não há provas científicas credíveis que apoiem nossas alegações e, portanto, reconhecemos que incorrermos em uma conduta enganosa, violando a seção 52 da Lei de Práticas Comerciais de 1974. Se você se sentiu enganado por nossas promoções, queremos pedir desculpas sem reservas e oferecer o reembolso completo de seu dinheiro.”
A estocada final veio um ano depois, onde tudo havia começado, na Califórnia. Em janeiro de 2011, um grupo de consumidores apresentou uma ação coletiva contra a Power Balance, alegando que as afirmações sobre os benefícios da pulseira eram enganosas.
Acordo de 57 milhões de dólares
Ao longo do ano, a empresa chegou a um acordo extrajudicial de 57 milhões de dólares para compensar os consumidores afetados. Esse acordo marcou uma virada significativa na história da companhia, que passou de fenômeno da moda a enfrentar sérias repercussões legais por sua estratégia de marketing.
Em meio às repercussões, Joshua Rodarmel, em entrevista ao programa de TV “60 Minutes”, tentando salvar a já quase nula credibilidade de seu invento, fez uma curiosa comparação do poder da pulseira com uma banana. Segundo o cofundador da Power Balance, se colocassem uma banana na cabeça de alguém e fizessem essa pessoa acreditar que isso lhe daria equilíbrio, ela poderia ter um desempenho melhor, similar ao que as pulseiras prometiam. Essa comparação se tornou icônica e foi alvo de críticas, devido ao tom trivial em um tema que causou desilusão em muitos consumidores.
Como resultado dos problemas legais, a empresa começou a perder popularidade e, finalmente, se reestruturou. Embora ainda exista, a Power Balance já não tem o mesmo impacto no mercado que teve em seu auge.
Para quem ainda duvidava, um estudo da Universidade Politécnica de Madri, liderado pelo doutor Jesús Javier Rojo, desmentiu definitivamente a crença nos benefícios das pulseiras Power Balance. Na pesquisa, 79 voluntários realizaram testes de equilíbrio com e sem as pulseiras, e os resultados mostraram que elas não melhoravam o equilíbrio nem geravam qualquer mudança física ou mental. Além disso, descartou-se o efeito placebo, já que não houve diferenças significativas no desempenho dos participantes. Em resumo, as pulseiras não cumpriram as promessas da marca.
Irmãos Rodarmel deixaram a empresa
Depois que a farsa foi exposta, os irmãos Rodarmel decidiram abandonar o barco. Troy foi o primeiro a sair, deixando a Power Balance em dezembro de 2011. De acordo com seu perfil no LinkedIn, ele atualmente é diretor-executivo (CEO) de uma empresa chamada United Fifty, LLC, que também fundou. Já Joshua deixou a empresa em fevereiro de 2012 e, segundo sua conta no LinkedIn, hoje é cofundador de várias empresas que se dedicam a ajudar ou adquirir negócios focados na venda direta ao consumidor.
Em resumo, a famosa pulseira não possuía nenhum poder especial. No entanto, sua história traz uma valiosa lição: a tentação de encontrar soluções rápidas e milagrosas sempre é um terreno fértil para fraudes.
*Com informações de O Globo