PIPA, PANDORGA E PAPAGAIO
Os dois irmãos sempre foram muito amigos. Com uma diferença pequena de idade, um ano e meio, promoviam suas brincadeiras e escaramuças sempre juntos. Em anos diferentes, estudavam nos mesmos colégios, jogavam bola, ioiô, bilboquê, andavam de velocípede e bicicleta lado a lado, enfim, eram inseparáveis.
E, para variar, pediram ao pai montar-lhes dois papagaios, que são aquelas peças voadoras construídas com varinhas de bambu e papel de seda.
E ele, orgulhoso, lhes contou que, quando criança e em Belo Horizonte, havia montado uma “fábrica” de papagaios na mesa da cozinha da casa da avó. A fabriqueta, contava ele, produzia uns cinquenta papagaios por semana o que lhe rendia alguns réis por semana. A moeda brasileira na época da infância do pai se chamava réis e ele vendia cada peça por 10 réis x 50 = $R 500, o que dava pra comprar muitas balas, pirulitos e chocolates.
Assim, foram os três ao Mercado Central e compraram umas talinhas de bambu usadas para espeto de churrasquinho, compraram várias folhas de papel de seda em cores diferentes e dedicaram-se, juntos, a fazer os papagaios.
Daí que o pai contou-lhes que, quando morava no Rio de Grande do Sul, ainda pequeno, conheceu os papagaios pelo nome de pandorga e depois, quando morou em São Paulo, os paulistas os chamavam de pipa e que, com certeza, ainda deviam ter muitos outros nomes para a brincadeira voadora neste imenso Brasil.
Compraram também três carretéis de linha 24, mais grossa, para empiná-los, usando uma manivela cada um, também construídas pelo pai com pedaços de caixas de goiabada cascão.
Prontas as geringonças, partiram para a Praça do Papa, lugar descampado com poucos fios de alta tensão, inimigos públicos número um das pipas.
Era um domingo azul de agosto, mês especial para soltar as pandorgas, pois tem uma ventania forte e constante nos lugares abertos. Assim, a praça estava cheia.
As mães com seus rebentos levados e à procura de espaço para suas travessuras.
E o pai deles, perfeitamente entrosado com a brincadeira desde sepequeno, partiu para a primeira subida recomendando a eles que o acompanhassem em todos os movimentos, cada um com o seu papagaio. O do pai era verde, cor da preferência dele, o do Fred era branco e o do Pedro era vermelho, cores vivas para contrastarem com o magnífico azul do céu.
E os novos pássaros foram alçados com os três correndo sobre o canteiro da praça e olhando suas façanhas.
Súbito, o pai tropeça numa pedra e cai direto com a cara na grama. O Pedro, que vinha logo atrás dele ainda consegue agarrar a linha que o pai segurava fortemente, com o braço levantado, -“Aguenta aí pai, que eu peguei a linha e não vamos perder o seu papagaio verde.” E o pai rolou pela grama uns cinco metros até ficar de barriga pra cima, sorrindo, e vendo as três pipas no ar, quase a sumir de vista.
Amizade definitiva e verdadeira entre pai e filhos.
Esta história foi publicada na Coletânea “A Força da Amizade” da Editora Perse, de São Paulo.
Roberto Hermeto Brandão – advogado e professor aposentado
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