Ostras expostas à cocaína no mar sofrem alteração no DNA no litoral de SP, diz estudo
Pesquisa apontou que também foi observado aumento do estresse, sistema antioxidante ineficiente e danos a membranas nos moluscos contaminados em São Vicente (SP).
Pesquisadores encontraram cocaína e benzoilecgonina [substância derivada da droga, que é liberada pelo organismo] em ostras entre o estuário e a baía de São Vicente (SP). Além dos moluscos, foram analisadas amostras de água e areia, onde também foi encontrada a substância ilícita, além de fármacos. O estudo mostra que não apenas a baía de Santos tem sido afetada pela contaminação.
As ostras foram estudadas como tese de doutorado da pesquisadora Andressa dos Santos Barbosa Ortega, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com orientação do professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Camilo Dias Seabra.
Ao todo, foram coletadas 18 amostras de ostras divididas em seis pontos da cidade, sendo que o único ponto com contaminação por cocaína foi próximo ao bairro Naútica III, onde há influência do Rio Mariana. Além dos moluscos, a água e o sedimento [areia] também foram monitorados.
Em relação a água, nos sete pontos analisados, além da cocaína e benzoilecgonina, foram identificadas a presença de cafeína – marcador de atividades humanas – e fármacos, como carbamazepina (antiepilético), orfenadrina (analgésico), losartana e valsartana (hipertensão arterial).
Na areia, a cocaína foi detectada próxima à foz do Rio Santana, Rio Mariana, Ponte Pênsil, Ilha Porchat e praia do Itararé. “Na tese tivemos dois objetivos principais: identificar e quantificar drogas e remédios em amostras ambientais e avaliar os efeitos causados pela benzoilecgonina em ostras”.
Andressa explicou que, assim como outro estudo que mostrou alteração no DNA de mexilhões expostos à cocaína, as ostras também apresentaram danos neste quesito. “Observamos também um aumento do estresse, sistema antioxidante ineficiente e danos a membranas”.
De acordo com ela, estas alterações podem comprometer a saúde dos organismos, levando a desequilíbrios ambientais no futuro. Agora, o grupo pretende iniciar avaliações de risco relacionados ao consumo de pescado contaminado.
Exposição à cocaína
Para o estudo ecotoxicológico, ou seja, para entender o efeito dos contaminantes nos organismos, os pesquisadores coletaram ostras em Cananeia – local considerado com menos impacto de contaminação que a região da Baixada Santista – e as colocaram expostas à droga.
“Levamos as ostras para o laboratório e, em aquários, acrescentamos a benzoilecgonina”, disse Andressa. Segundo ela, três concentrações da substância foram usadas, sendo a ambiental (0,02 µg/L) e outras 10 e 100 vezes maiores.
“Além disso, tínhamos as ostras consideradas controle, ou seja, sem contaminação, apenas água. A exposição durou 7 dias. Durante esses 7 dias, analisamos 18 ostras de cada tratamento”, disse.
A coleta de ostras no sistema estuarino de Santos – São Vicente e baía de São Vicente ocorreu em 4 de janeiro de 2022, após o Ano-Novo. “A data foi escolhida por se tratar de um período de feriado, com aumento significativo da população e com isso do consumo de drogas recreativas”.
A tese de doutorado de Andressa também analisou a influência da acidificação oceânica – – processo que ocorre devido ao aumento de emissões de gases do efeito estufa – – nos efeitos causados pela benzoilecgonina nas ostras.
De acordo com a pesquisadora, o gás é absorvido pelo oceano e através de reações químicas, faz com que as águas fiquem mais ácidas. “Essa acidificação das águas dos oceanos pode trazer efeitos nos organismos, como o embranquecimento de corais e a deformação de conchas”.
Os dados, segundo ela, são escassos acerca do efeito combinado da acidificação com contaminantes em organismos expostos a esses fatores. Dessa forma, os pesquisadores expuseram as ostras em concentrações com pH menores.
A conclusão foi que as ostras são mais suscetíveis aos efeitos causados pela diminuição do pH combinada com a exposição à benzoilecgonina. “Quando a ostra é exposta a um contaminante e a uma água mais ácida, ela pode sofrer efeitos mais intensificados”.
O trabalho foi feito em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade Santa Cecília (UniSanta) e Università degli Studi di Milano. Ele foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) e com Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (Bepe).
Estudo com mexilhões
Em julho de 2023, o g1 divulgou uma pesquisa que revelou alterações no DNA de mexilhões expostos à cocaína na Baixada Santista, litoral de São Paulo. A pesquisa, conduzida como parte da tese de doutorado da pesquisadora Mayana Karoline Fontes, analisou cerca de 165 mexilhões.
A metade foi coletada no mar de três praias entre Santos, São Vicente e Guarujá, e apresentaram grande concentração da droga. A outra parte veio de um cultivo e, portanto, era considerada saudável. Estes moluscos foram expostos à cocaína para avaliar o impacto no organismo.
A gente viu alteração no DNA. A cocaína causou alterações no DNA dos mexilhões.
— Mayana Karoline Fontes, pesquisadora
Mayana explicou que o processo para determinar a concentração de cocaína no tecido de cada mexilhão se chama liofilização. O procedimento que remove toda a água do organismo e deixa apenas um pó, que foi filtrado com um solvente orgânico para extrair a droga.
Os moluscos foram analisados entre 2018 e 2022, durante a tese de Mayana pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os resultados apontam que os mexilhões podem acumular cocaína em áreas frequentadas por moradores e turistas para banho, pesca e colheita, o que gera preocupação.
Coleta de mexilhões contaminados
A baía de Santos (SP) tem sido afetada pela contaminação por cocaína, além dos poluentes das atividades portuária, industrial e de esgoto doméstico. A substância entorpecente já foi detectada na água, em sedimentos e organismos marinhos, como os mexilhões. Agora, os pesquisadores querem saber se as pessoas que consomem esses mariscos podem sofrer algum efeito na saúde.
Imagens divulgadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) mostram o processo de coleta e análise dos materiais para estudo (veja o vídeo acima). No vídeo, gravado em agosto deste ano, o biólogo e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Camilo Dias Seabra explicou que a primeira coleta foi realizada durante o carnaval de 2014. O objetivo inicial era identificar a presença de medicamentos na baía de Santos.
*Com informações de G1