O que é a positividade sexual de que tanto falam?
Ultimamente, parece que qualquer coisa e qualquer pessoa pode falar sobre sexo e ganhar o rótulo de ‘sex positive’: de aplicativos de redes social a celebridades e líderes feministas, passando por marcas que vendem produtos íntimos.
Mas quando aplicada a uma variedade de contextos, a ideia de positividade sexual parece quase perder seu significado — ou pelo menos, sua definição fica confusa.
Assim como empresas e marcas usam em abundância termos como ‘diversidade’ e ‘equidade’ para atrair consumidores eticamente conscientes, “a mesma coisa está acontecendo com indivíduos, celebridades, organizações e empresas dizendo que são mais sexualmente positivos”, diz Emily Prior, diretora executiva da ONG Center for Positive Sexuality, com sede na Califórnia, nos EUA.
Enquanto alguns “definitivamente são”, ela acrescenta, outros “usam a expressão como um jargão para atrair as pessoas”.
Mas como você pode saber a diferença, quando não existe uma definição única e consensual para positividade sexual?
Embora educadores sexuais, acadêmicos, profissionais do sexo e diretores de pornografia tendam a concordar que o uso abundante do termo indica tanto uma tentativa de se tirar vantagem de uma palavra da moda quanto abraçar verdadeiramente sua essência, com base no contexto, cada um, individualmente, tem interpretações ligeiramente diferentes do que significa e de onde veio.
Dependendo de para quem você pergunta, a positividade sexual abrange tudo, desde o antirracismo até a nudez masculina nos filmes.
No geral, no entanto, aqueles que falam sobre positividade sexual observam que, em sua essência, o termo é sobre estar aberto a uma variedade de orientações, interesses (ou a falta deles), identidades e expressões sexuais.
Eles acham que o termo evoluiu para se tornar mais popular e com mais nuances ao longo do tempo, e que sua influência vai muito além do reino da sexualidade, se inserindo na sociedade como um todo.
As (muitas) origens da positividade sexual
Embora muitos atribuam ao psicanalista austríaco Wilhelm Reich a criação do termo “positividade sexual” em meados do século 20, como parte de seu discurso sobre o sexo como um aspecto saudável da humanidade, outros grupos adotaram um significado sexualmente positivo muito antes dele.
“Na década de 1920, já havia comunidades, como a cultura ballroom no Harlem, em Nova York, e as feministas do Village que faziam parte de comunidades sexualmente positivas e queer”, afirma a cineasta sueca de filmes eróticos Erika Lust.
As experiências deles apenas “foram muitas vezes deixadas de fora das discussões”, diz ela.
A sexóloga e socióloga Carol Queen conta que esbarrou com o conceito pela primeira vez no fim dos anos 1980, quando começava seu programa de doutorado no Instituto para Estudos Avançados da Sexualidade Humana.
Ela se lembra de um professor, o sexólogo alemão Erwin Haeberle, possivelmente ajudando a desenvolver o termo, já que tinha familiaridade com “sexólogos europeus do início do século 20 que enfatizavam a importância de atitudes positivas em relação à sexualidade” quando trabalhavam com pacientes.
Na visão da terapeuta Aida Manduley, a positividade sexual passou por vários momentos de morosidade e ressurgimento — um desses ressurgimentos ocorreu durante a revolução sexual nos anos 1960 e 1970, e outro mais recentemente, na década passada.
A educadora sexual Goody Howard se lembra de ter ouvido o termo positividade sexual ser usado pela primeira vez no fim dos anos 1990 em sintonia com o ressurgimento anterior, comparando-o ao “movimento do amor livre e hippie de Woodstock”.
Nessa época, grupos focados explicitamente na positividade sexual haviam se formado, como no porão de um restaurante em Seattle, no Estado de Washington, chamado Beyond the Edge Café, administrado por Allena Gabosch.
Gabosch oferecia um “ambiente seguro” para pessoas que exploravam fetiches e identidades LGBTQ+, diz Larry Grella, membro do conselho do Center of Sex Positive Culture, organização que nasceu dos esforços de Gabosch em 1999.
No entanto, uma mudança global nas atitudes em relação à sexualidade remonta a 2002, diz Prior, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) atualizou sua definição de saúde sexual para incluir prazer, segurança, falta de coerção e ausência de violência e discriminação — uma abordagem que reconheceu os aspectos positivos do sexo, em vez de focar nos riscos.
Esta nova definição ampliou o debate e ajudou a influenciar a criação de organizações que adotaram uma visão mais positiva sobre o sexo, incluindo o The Center for Positive Sexuality, que foi lançado em 2007, segundo Prior.
Entendimentos modernos
Embora a expressão “positividade sexual” signifique algo ligeiramente diferente para cada grupo ou movimento que a usa, há pontos centrais em comum.
As ideias sobre positividade sexual evoluíram em resposta à negatividade sexual generalizada — em outras palavras, atitudes que atribuem vergonha e julgamento às variadas experiências e sentimentos das pessoas em relação à sexualidade.
A educação sexual no ensino médio, pelo menos em lugares como os EUA, há muito tempo exemplifica essa atitude ‘negativa em relação ao sexo’.
“As informações disponíveis para as pessoas [na escola] sobre sexualidade eram todas as coisas ruins”, diz Prior.
“Isso é o que você deve evitar, aqui estão todas as coisas que podem dar errado — é por isso que você não deve fazer sexo.”
“A positividade sexual é realmente o oposto de ‘negatividade sexual'”, afirma Queen, “[que significa ser] crítico em relação ao sexo e à variação sexual… Na minha opinião, este é o terreno a partir do qual a noção de positividade sexual cresceu. “
Coletivamente, no entanto, ainda estamos tentando definir o termo — e algumas definições ficaram a desejar.
“As pessoas diziam que significa apenas que você pode fazer sexo com qualquer pessoa”, conta Howard, sobre quando ela começou a ouvir o termo.
Por volta de 2016, ela diz que se aprofundou no assunto e chegou à sua própria definição: “atuar em espaços com informações sobre sexo e prazer, sem vergonha ou estigma”.
Para Manduley, de acordo com um artigo recente do qual ela é coautora, intitulado Defining Sex-Positivity in Therapy, (Definindo Sexo Positivo em Terapia, em tradução livre) a definição de positividade sexual “varia entre e dentro dos campos” — e isso é uma coisa boa.
“Vemos essa abertura como benéfica, já que deixa espaço para terapeutas e pacientes estabelecerem suas próprias definições para abordar objetivos terapêuticos”, escrevem os autores.
Crucialmente, diferentes culturas têm valores distintos em relação ao pudor e à comunicação, então falar francamente sobre sexo com algumas pessoas pode não ser a abordagem mais sexualmente positiva, se isso não reconhecer sua zona de conforto.
Manduley considera a positividade sexual um “enquadramento e uma lente” para usar com os pacientes, e não uma “receita” que dita como eles devem discutir e compreender a sexualidade.
Masakhane, uma organização que oferece “educação sexual positiva para comunidades marginalizadas”, especificamente “pessoas negras e pardas pobres” em Newark, Nova Jersey, reconhece em seus ensinamentos que há “uma história dolorosa e contínua de opressão reprodutiva”, diz o membro do conselho JV.
Positividade sexual, em poucas palavras, “significa que seu corpo é seu”, escreve JV.
Outros integrantes da organização compartilharam várias definições com a BBC Worklife, muitas das quais centradas no empoderamento de pessoas com corpos negros e pardos, ou na representatividade em conversas sobre sexo de indivíduos com diferentes tipos de corpo ou deficiências.
“Todas as formas e corpos podem praticar sexo”, escreve um educador da Masakhane.
Para alguns, como a escritora e produtora Karley Sciortino, entender a positividade sexual surgiu do aprendizado sobre o feminismo depois que alguém chamou seu blog sobre sexo, de “feminista” no início dos anos 2000.
Ela se interessou pelos textos de Camille Paglia, uma “feminista pró-sexo” que não discriminava as profissionais do sexo, pornografia e mulheres que usavam maquiagem.
Para Paglia e Sciortino, sexo e aparência sexy representam poder “em vez de submissão ao olhar masculino”, segundo Sciortino.
Em outras palavras, a ideia de positividade sexual de Sciortino era sobre a inclusão de profissionais do sexo e mulheres que exibiam sua sexualidade, categorias historicamente discriminadas nos círculos feministas.
Como a positividade sexual afeta a sociedade
Na indústria do entretenimento adulto (fonte de educação sexual para muitos), as atitudes em relação à positividade sexual também estão mudando.
Os grandes estúdios, que tendem a difundir metáforas misóginas e racistas, não são mais tão dominantes, diz a criadora de conteúdo adulto e consultora de negócios Amberly Rothfield.
Cineastas independentes têm liderado essa mudança e tendem a compartilhar as visões de Rothfield sobre positividade sexual, enfatizando “confiança e abertura” para uma variedade de experiências sexuais e acabando com a estigmatização em torno das práticas sexuais.
Um deles é Lust, que diz que positividade sexual no contexto da pornografia significa “criar filmes que sejam diversos e representativos de todos os gêneros e raças, e atendam a uma série diversificada de fantasias e fetiches sexuais”.
Isso significa ir muito além dos filmes que terminam com a ejaculação masculina.
“Apesar da cultura de negatividade sexual em que ainda vivemos e da falta generalizada de uma boa educação sexual nas escolas, vejo que o sexo e a pornografia estão se tornando cada vez menos um tabu na sociedade”, avalia Lust.
Na verdade, algumas organizações têm como objetivo levar um olhar sexualmente positivo para a educação sexual nas escolas.
A Sexpression: UK, formada em 2000, ensina crianças e jovens de 11 a 18 anos sobre sexo e sexualidade por meio de uma visão positiva e “informativa”, diz o diretor de imprensa Lewis Ruddock.
Garantindo que suas aulas “atendam às mulheres, pessoas negras, indivíduos que se identificam como LGBTQ+ e pessoas com deficiência”, a Sexpression:UK se concentra em promover um diálogo aberto entre os alunos, acrescenta Ruddock.
Assim como muitas outras pessoas com quem a BBC Worklife conversou para esta reportagem, Ruddock observou que a mídia está prestando mais atenção à positividade sexual recentemente.
Ele vê isso como um canal para uma discussão mais aberta e uma tendência que oferece uma plataforma para educadores sexuais, profissionais do sexo e influenciadores da positividade sexual.
As gerações mais novas também estão mais familiarizadas com os conceitos de positividade sexual, graças a esse diálogo em expansão.
Mas outros veem o uso frequente do termo como uma espécie de diluição de seu significado — um conceito do qual as marcas podem tirar proveito, sem levar em consideração suas muitas nuances.
“Em suas configurações menos agradáveis, [a positividade sexual] se transforma em outro tipo de normatividade que exclui muitas pessoas”, diz Queen, como quando é interpretada de uma forma que exclui indivíduos que não gostam de sexo ou se identificam como assexuais.
Segundo Howard, algumas pessoas vão rotular um filme como ‘sexualmente positivo’ se o ator usar camisinha durante as cenas de sexo.
Embora isso mostre uma prática sexual positiva, por si só não pode tornar um filme ‘sexualmente positivo’.
Prior, por sua vez, espera continuar a ver o termo ‘positividade sexual’ evoluir a ponto de organizações como o Center for Positive Sexuality “não serem mais úteis”, porque a ideia se tornou tão culturalmente difundida que não precisa de defensores explícitos.
Todo mundo será positivo em relação ao sexo, tendo sido criado com seus ideais.
“Não acho que isso vá acontecer nos próximos cinco a 10 anos, embora possa acontecer além dos meus dias”, diz ela.
“Mas há definitivamente mais organizações agora do que quando começamos… promovendo ideais sexualmente positivos.”
*Com informações da BBC News.