O preço da liberdade

Ser livre, imagino, tem conotação especial para cada pessoa. É a percepção individual, podendo ser influenciada pela cultura em que se insere a pessoa, em que suas vontades podem ser satisfeitas na proporção em que a outros também seja plausível conquistar as suas. Nesse contexto, aprendi, a duras penas, que alguns instrumentos libertários podem – e frequentemente são – ser confundidos com equipamentos de opressão. Entre eles, as bengalas ou muletas, óculos e outras órteses e próteses. É apenas uma questão de avaliar a que propósito se prestam. Há, por exemplo, quem relute bravamente em se valer de uma cadeira de rodas para locomoção e ainda afirme não querer “estar preso para sempre” a este dispositivo. Na verdade, a condição física pode demandar seu uso e, assim, oferecer a liberdade do deslocamento sem dor ou angustiante fadiga. Então se pode depreender que a cadeira oferece liberdade e não restrição.

Recentemente fui submetido a uma cirurgia de correção, ou “emenda” do manguito rotador, desgastado e rompido pelo esforço excessivo. O fato de ter as pernas atrofiadas em decorrência de sequelas de poliomielite (paralisia infantil), gerou o dano aos ombros. A imobilização exigida por um temo para cicatrização, criou a dependência de terceiros, até para funções básicas como banho e alimentação além, claro, da locomoção.

Quando cheguei ao hospital para a intervenção, precisei de ajuda do segurança para sair do carro e acessar uma cadeira de rodas. Mesmo tendo as pernas expostas, o atencioso servidor não conseguiu reconhecer o mal que me afetou as pernas. Assim como a jovem que preencheu as fichas e demais documentos na recepção. Até aí, tudo bem, pois não são profissionais de saúde, apenas funcionários administrativos. O que causou espécie, foi que diversos profissionais, da área de enfermagem, não sabiam do que se tratava a sequela que apresentava nas pernas. Assustador!

Charles Baudelaire, grande pensador, intui, em seu texto “Le Joueur Généreux” (O Generoso Jogador – 1864), que “O maior truque já realizado pelo diabo foi convencer o mundo de que ele não existe”.

Ouso parafraseá-lo na premissa de que, se nem os profissionais de saúde reconhecem a poliomielite, uma doença viral grave, então, mesmo não sendo razoável, é natural que os mais jovens, leigos em medicina, desconheçam esse mal. Portanto a eficácia da prevenção tende à nulidade, pois é difícil temer ou respeitar aquilo que não se conhece. Talvez resida nesse desconhecimento o fato de o Brasil voltar a constar no Mapa de Risco da Poliomielite, conforme constatou a Organização Mundial de Saúde, bem como o próprio Ministério da Saúde. E mais, que a baixa cobertura vacinal tenha alcançado tão alarmantes níveis.

Preservar a saúde em todos os seus aspectos é uma forma autêntica de também resguardar a liberdade para fruir em plenitude o direito de ir e vir; a possibilidade de se alimentar com prazer e alegria; a glória de dispor dos ferramentais básicos para uma vida feliz e produtiva, livre de preconceitos e barreiras evitáveis. Esse é o menor preço da liberdade.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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