O nome da política brasileira chega aos 93 anos
José Sarney completa, neste 24 de abril, 93 anos de idade. Li no Google que o número 2 significa equilíbrio, “o número que está sempre em busca da harmonia”. Achei o título para este artigo. Os amigos que vão cumprimentá-lo amanhã não estarão participando de uma festa política em torno do mais longevo homem público brasileiro em atividade, mas sim testemunhando um evento cívico. Uma festa de comunhão nacional.
Depois de atingir as cumeeiras, José Sarney faz o caminho inverso ao do seu remoto antecessor Wenceslau Braz, que ficou crismado de “o solitário de Itajubá”. Ou de seu antecessor na Academia Brasileira de Letras, o grande José Américo de Almeida, que se recolheu à Paraíba para ganhar o honroso título de “solitário de Tambaú”. Solidão não combina com Sarney.
Ele participa da vida nacional até quando pratica o silêncio recomendado pelo seu tutor literário e devocional, o Padre Vieira. Semanalmente, dá o seu pitaco sobre coisas e loisas no artigo publicado em seu blog. Blog! Sarney, aos 93, é teen. Aos domingos, em sua casa, na varanda visitada pela passarinhada da Península Sul, depois da missa, sempre aparece algum fiel para lembrar uma bem-aventurança. No domingo passado, o ex-senador Chiquinho Escórcio falou:
— Presidente, o senhor é o avô do Bolsa Família.
— Eu? Avô?
— Sim! Criou o Programa do Leite, que garantiu às mães de famílias carentes o litro diário para os filhos.
— Outro dia, a cineasta Renata de Almeida Magalhães lembrou:
— O senhor é o pai do SUS.
José Sarney está afiado na memória, não estivesse ele ultimando as derradeiras páginas de uma visita literária ao seu período de governo. Preocupado em universalizar o acesso à saúde pública, como determina a Constituição Federal por ele assinada em 1988, determinou ao Ministério da Previdência e Assistência Social desenvolver um programa, chamado Suds. Nos governos seguintes, foi aperfeiçoado até chegar ao SUS atual, tão maltratado nos últimos tempos.
Ele atende o telefonema de uma senhora agradecida.
— Meu marido se endividou todo! Perdemos tudo. Só não perdemos a casa porque o senhor fez uma santa lei que não deixa o Estado se apropriar do bem imóvel único dos devedores.
Na varanda, o brigadeiro da reserva Durães puxa conversa sobre a amizade Brasil-Argentina:
— Devemos ao senhor o fim das disputas hegemônicas com a Argentina. Imagine que, quando fiz o curso de Estado-Maior, ainda se estudava a “hipótese de guerra” nas aulas de geopolítica.
— É verdade, brigadeiro. Eu e o Alfonsin [presidente da Argentina] firmamos um pacto de desnuclearização do Cone Sul, no momento em que militares dos dois países pensavam em desenvolver a bomba atômica apesar de signatários do Tratado de Tlatelolco.
Brindamos ao grande feito pacifista, não com a taça de vinho, tradição nas conversas da varanda. É que nos últimos três domingos, o presidente inventou de preparar, ele mesmo, na cozinha, um coquetel à base de tequila e suco de tomate. Aprendeu a receita com Miguel de la Madrid, presidente do México, na mesma época em que Sarney exercia o seu governo com moderação e equilíbrio. Excelente o coquetel: Sarney sabe como amenizar a bomba nuclear da tequila.
As conversas dominicais da varanda, testemunhadas pelo autor destas linhas, prosseguem nos dias úteis da semana, sem a presença do amigo enxerido na sala de visitas, para onde acorrem os necessitados de — não diria conselhos — necessitados de uma palavra sensata, harmoniosa, aquela do significado do número 2.
Quando saio de casa para dar minha caminhada matinal e passo diante da casa de Sarney, conto os automóveis estacionados na porta dele, alguns com placa de bronze. Puxa! Quanta gente carente neste país! E José Sarney, nas pegadas do seu venerado Padre Vieira, derrama generosidade sobre todos, em comunhão nacional.
Pedro Rogério
*Com informações de Correio Braziliense