O fim da picada
Por Marianna Mafe
-Preciso bater um papo com você.
-Lá vem você com esse papo torto de novo. Tira os óculos então! E não me venha com esse ar professoral que me deixa irritada.
-Eu tiro os óculos, mas você precisa se sentar e me ouvir. Temos que lavar roupa suja.
-Você quer que eu enfie o rabo entre as pernas, mais uma vez.
-Você me deixou na mão! Quando viu que eu pisei na bola, não pulou na bala por mim.
-Como eu pularia na bala? Seus argumentos não tinham pé nem cabeça. Você se irritou e não explicou lé com cré.
-Não acho que tenha sido assim. Eu só troquei as bolas na hora de me explicar. Mas você me entendeu, poderia ter colocado, ali mesmo, os pingos nos is em meu favor. E ter sentado ao meu lado, como está agora.
-Eu precisei me afastar porque você estava alterado. Mesmo notando que todos já tinham um pé atrás com a situação. E você não recuou, continuou com sete pedras na mão.
-Ah para! Chega de tempestade em copo d’água. Esse é meu jeito. E, por mim, eu quero que todos se explodam!
-Então fica aí jogado pra escanteio. Sem o seu emprego, com esses óculos na cabeça, zanzando pela varanda o dia todo. Eu não vou entrar na sua.
-Eu sei! Você prefere continuar naquela empresa, onde Judas perdeu as botas, fazendo vista grossa pra tudo. E eu não sou esse Zé-ninguém que você está me pintando.
-Eu é que não sou maria vai com as outras para apoiar seus destemperos e criar uma treta com o chefe. Você decidiu colocar a boca no trombone e não dá pra voltar atrás ou esperar que eu tivesse te defendido. Você falou, agora segure o rojão!
-A verdade é que você virou outra pessoa, desde que te prometeram mundos e fundos. Até seu cabelo preto que eu amava…
-Mudei! Depois que percebi que você estava enfiando minhoca na minha cabeça. E eu estou esperando mesmo o mundo e os fundos porque mereço. Eu sou uma mão na roda pra organizar as planilhas. Você sabe que eu sou pau pra toda obra naquele departamento de cobranças. Desculpa, mas não poderia ter me colocado na reta por você. E quer saber? Amei essa minha skin de barbie, com meu cabelo loiro.
-Juliana! Eu estou de cara! Fizeram mesmo sua cabeça!
-Não. E não me venha com um sorriso irônico. Eu abri meus olhos. E, na boa? Acho que é melhor a gente parar de enxugar gelo. O caldo já entornou.
-Fica tranquila, aproveite o seu trabalho agora que eu não vou mais ser a pedra no seu sapato.
-Isso! Grita a plenos pulmões o que eu queria dizer faz tempo. Já estou de copo cheio com esse seu jeito. Deu pra mim!
-Partiu então. Já era! Eu lavo minhas mãos.
-É o que você sempre faz diante de um erro, não é mesmo? Esteve esse tempo todo com a faca e o queijo na mão, Marcelo. Não espere que eu passe pano pra você agora. Pelo menos viu que te enviaram um cartão e um presente? Está em cima da mesa da cozinha.
-Eu vi. Um monte de abobrinhas! Página virada! Risquei do mapa também.
“Marcelo, foi bom contar com seu espírito de liderança ao longo destes três anos.
Conte com nossa indicação para uma próxima jornada. Prometo não dar ênfase no idiomatismo que tanto aproxima os clientes, mas, devemos dizer, também confunde.
Boa sorte,
Equipe de Telefonia Móvel Brasilcom.”
-Li aqui, Marcelo. Você entendeu? Esses chefes adoram falar e escrever em grego. Eu hein? Mas vamos esfriar a cabeça que essa história já deu muito pano pra manga. E vá buscar seus óculos na varanda que eu não guardo mais uma agulha fora do lugar aqui nesta casa.
Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.