O enigma que só será resolvido em 2113 sob a Torre Eiffel
Era um desafio totalmente novo. E os fãs da franquia de vídeo game Trials sabiam que seus criadores dificultariam a corrida de obstáculos ao máximo.
Eles também sabiam que deveriam ficar atentos aos “easter eggs” – pistas ocultas ou referências externas a outros jogos, filmes, pessoas etc.
No jogo anterior, Trials HD, eles haviam encontrado pistas sobre um enigma magnífico que levou anos para ser solucionado. O que eles não esperavam é que o enigma de Trials Evolution os levaria a explorar temas místicos e científicos, a ponto de saírem de casa em busca de pistas materiais para solucionar o grande mistério.
E eles também nunca imaginaram que, graças a todos os seus esforços, acabariam encontrando todas as peças necessárias para que o quebra-cabeça seja resolvido… depois que nenhum deles estiver mais vivo.
Este episódio é lendário entre os gamers. E, entre os estudiosos culturais, é um convite para a reflexão. O que pode parecer um entretenimento irrelevante trouxe à mente algumas das perguntas mais profundas da condição humana, segundo eles.
Mas vamos começar contando o que aconteceu com o épico enigma do jogo Trials Evolution.
O périplo
Para nos servir de guia, recorremos ao superfã Brad Hill, que, com o pseudônimo Professor FatShady, publicou um resumo da caça ao tesouro no website Kotaku quando a comunidade de jogadores conseguiu chegar à conclusão que era possível para o momento.
Os detalhes são complexos, mas, de forma geral, a história foi a seguinte:
Pouco depois do lançamento do jogo Trials Evolution no serviço de download de jogos Xbox Live Arcade, em abril de 2012, os jogadores começaram a descobrir uma série de placas de madeira que, reunidas, formavam uma mensagem codificada.
Com muito esforço e um pouco de sorte, eles decifraram a mensagem: eram instruções para realizar uma manobra secreta no jogo que desbloqueava uma música. A canção começava dizendo:
“Acorde e escute / Os segredos estão escondidos / nos tons mais brilhantes / seus ouvidos podem não captá-los / talvez você precise transformá-los em uma forma visível…”
E assim eles fizeram. Um programa de visualização de análise espectral revelou uma mensagem em código Morse. E essa mensagem levava a um website que continha imagens criptografadas, atualizadas diariamente a partir de 2013.
Os gamers observaram que as imagens faziam referência a cientistas. E, com seus nomes, formaram as 26 letras do alfabeto. Era outro enigma.
Sua resposta? “Grande congelamento sem final completo”, uma teoria sobre o fim do Universo.
Esta solução levou a outro website que fornecia coordenadas e pistas para encontrar quatro objetos espalhados no mundo real! Um deles estava em São Francisco, nos Estados Unidos; o segundo, em Sydney, na Austrália; e o terceiro, em Bath, no Reino Unido.
Eram pequenos cofres ocultos, onde foram encontradas chaves e placas de metal com o início de uma frase: “Parecia que tinha sido uma eternidade.”
Os jogadores descobriram que a frase era do livro A Culpa É das Estrelas, do escritor norte-americano John Green. A citação completa era:
“Parecia que tinha sido uma eternidade, como se tivéssemos vivido uma breve, mas infinita eternidade. Alguns infinitos são maiores que outros.”
O quarto cofre foi encontrado na capital da Finlândia, Helsinque, que é a cidade natal da empresa RedLynx, criadora de Trials.
Um dos fãs que se aventuraram a procurá-lo foi até o endereço indicado no website. Lá entregaram a ele alguns documentos aparentemente reais com 300 anos de idade, relativos à venda de terras de uma propriedade francesa no século 18.
Também havia um mapa para chegar a um cemitério onde estava o quinto e último cofre. E ele continha outra chave e vários objetos, incluindo um relógio de bolso antigo, de 1916.
No verso da placa de metal, havia uma mensagem gravada:
“Meio-dia do ano 2113. Primeiro sábado de agosto. Uma das cinco chaves abrirá a caixa debaixo da Torre Eiffel.”
E, assim, o enigma foi resolvido. Depois de tanto tempo, os fãs haviam chegado à última parada na sua caça ao tesouro global.
A tão buscada resolução estava no futuro. Mas grande parte dos desejos do criador do enigma já havia sido atendida.
O autor intelectual
Tudo foi meticulosamente planejado por Antti Ilvessuo – que, junto com seu irmão Atte, foi um dos fundadores da RedLynx no ano 2000.
Enquanto a comunidade de gamers explorava teorias científicas, análise espectral, ideias sobre o fim do Universo, criptografia, tábuas neolíticas e compartilhava seus conhecimentos para solucionar o enigma em colaboração, Ilvessuo observava com satisfação que tudo estava se desenvolvendo conforme o esperado.
“O enigma realmente é importante para mim, pois ele uniu as pessoas que queriam resolvê-lo”, explicou ele em entrevista ao escritor britânico Matthew Syed, para o programa Sideways, da BBC Rádio 4.
“Acredito que o esforço para fazer algo duradouro só funciona se as pessoas trabalharem em conjunto pelo bem comum, sem temer o pior, nem criar conflitos…”, afirma Ilvessuo. “Só é preciso ser curioso e aproveitar os conhecimentos.”
Ele sorri com frequência, sem esclarecer os detalhes desconhecidos sobre o enigma. Mas deixa entrever que, mesmo 10 anos depois, ainda se emociona com o que aconteceu.
“Para mim, foi muito significativo. Sempre disse que é preciso poder confiar nas pessoas, que as pessoas são inteligentes e curiosas”, prossegue Ilvessuo. “E a forma certa de resolver os problemas do mundo em que vivemos é com as pessoas trabalhando em conjunto.”
vivemos é com as pessoas trabalhando em conjunto.”
“Neste enigma, tive fé que as pessoas teriam confiança e aconteceu. E continua acontecendo”, afirma ele.
Este voto de confiança valeu a pena. Mesmo precisando passar tantas décadas para poder abrir o último cofre, para o superfã Professor FatShady e muitos dos participantes, a conclusão está longe de ser frustrante.
“Você persegue algo como isso porque quer ver o encerramento, quer chegar ao final, atingir a meta”, afirmou o superfã ao programa Sideways. “O interessante é que a conclusão não foi uma conclusão, mas o começo de outra viagem de 100 anos para chegar a outra coisa. Esta é a melhor forma de terminar: dando-nos algo no futuro.”
Uma oferta ao que está por vir… um legado, que obriga a nos projetarmos para um amanhã em que não estaremos aqui.
Ou, como ressalta o psicólogo social Philip Cozzolino, da Universidade de Essex, no Reino Unido, a pensar em algo que normalmente evitamos: a morte.
O que fica no meio
O ato de refletir sobre a morte é considerado atualmente uma poderosa ferramenta psicológica, muito diferente de simplesmente planejar o futuro.
Cozzolino analisou os efeitos psicológicos em pessoas que têm experiências de quase morte ou recebem diagnóstico terminal, mas indica que não precisamos passar por um trauma para obter a clareza proveniente de pensar na morte. O que, sim, é necessário é confrontar algumas verdades invioláveis.
“Existe uma música da banda Pearl Jam (I’m Mine, ou “Sou meu”, em tradução livre), que diz: ‘sei que nasci e sei que vou morrer, o que fica no meio é meu'”, afirma o psicólogo. “Só quando você realmente assume os dois extremos – o nascimento e a morte -, o que está no meio é seu.”
Cozzolino destaca que suas pesquisas confirmam o que está dizendo. Muitos dos que incorporam a inevitabilidade da morte à sua visão de vida passam por mudanças positivas poderosas.
“Em muitos casos, eles dizem aos pesquisadores: ‘sinto que finalmente assumi o controle. Por que estou fazendo este trabalho específico? Ele não me traz felicidade. Por que estamos nesta relação?'”, ele conta.
A verdade nua e crua é que temos apenas um pequeno período de existência intercalado entre duas eternidades de esquecimento. E não são só os psicólogos que argumentam que a apreciação desta realidade pode nos ajudar a viver vidas mais significativas.
Grandes filósofos existencialistas do século 20, como Heidegger e Kirkegaard, já defendiam este ponto. E Jean-Paul Sartre, no seu livro O Ser e o Nada, argumenta que apreciar a mortalidade pode fornecer emoção à vida.
Todas as horas se tornam preciosas
Antti Ilvessuo preferiu não estar presente quando seu enigma for solucionado.
“Não estou tentando deixar um legado”, afirma ele. “O legado é das pessoas que trabalharam juntas para resolver o enigma e das que entregarão as chaves para as gerações futuras. Ou seja, é um legado comum, um legado do trabalho de muitas pessoas.”
O que ele garante é que deixou acordos concretos para que, naquele sábado de verão em Paris, na França, quem comparecer ao meio-dia à reunião abaixo da Torre Eiffel irá encontrar a peça final do quebra-cabeça.
E, se você quer saber qual é a quinta chave mencionada na placa, trata-se de uma chave digital desbloqueada da sequência do jogo, Trials Fusion.
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Ouça o episódio “The Riddle“, do programa Sideways da BBC Rádio 4, que deu origem a esta reportagem (em inglês), no site BBC Sounds.
*Com informações de BBC Brasil