O circo e seu cantor de boleros

Wilson Ibiapina

No interior do Ceará corre uma história, que já virou piada. Um agricultor, que ganhou muito dinheiro, virou o chefão de uma cidade. Entre as atividades que ele patrocinava estava o time de futebol que reunia a meninada nos finais de semana. O time participava de torneios com equipes das cidades vizinhas. Estava na véspera da final de uma dessas competições quando a garotada foi chamada pelo ricaço: – Pessoal domingo que vem teremos a final. Se a gente ganhar o jogo, nós vai conhecer o mar lá em Fortaleza. Um dos garotos teve a coragem de corrigir o homem: – Coronel, é nós vamos e não nós vai”. O coronel, como era conhecido o protetor do time, reagiu na bucha: – você fica aí dizendo nós vamos e não vai. Pois em digo nós vai e nós vamos”

O número de pessoas no Brasil que não aprendeu a ler e escrever é grande em quase todos os estados. O analfabetismo, no entanto, não tem nada a ver com falar errado. Dizer pobrema significa que o aprendizado foi falho. Muitos não sabem usar o verbo. Essa dificuldade em pronunciar as palavras corretamente foi presenciada pelo produtor de cinema, o cearense de Sobral Luís Carlos Barreto, no interior de Alagoas. Barretão conta que em 1963 estava nas cidades alagoanas de Palmeira dos Indios e Mirador do Negrao produzindo o filme Vidas Secas, baseado no livro de Graciliano Ramos. Nelson Pereira dos Santos dirigia o elenco em meio a um calor insuportável numa terra estorricada, sem água e com árvores retorcidas, secas, sem uma única sombra. Verde só pena de papagaio e pano de bilhar, como cantava Luiz Gonzaga.

No final do dia, ao término das gravações, estavam todos exaustos. Na pensão onde estavam hospedados, depois de um banho, se reuniram no restaurante, tomando uma cerveja à espera do jantar. Certa noite, ficaram surpresos com a presença de um cidadão. Alto, corpo atlético, bem vestido, a brilhantina Glostora brilhando na cabeça e um bigodinho que lhe dava a aparência de um cantor de tango argentino. Trabalhava num pequeno circo armado na pracinha, ao lado da igreja.

Essa historia foi contada pelo Luís Carlos Barreto ao jornalista Carlos Henrique de Almeida Santos, na minha presença, durante um jantar no Piantela, aqui em Brasilia.

Luís Carlos teve a ideia de convidar o pessoal das filmagens para ir ver o espetáculo daquela noite no circo que tinha como atração final, como imaginava, exatamente o bonitão que entrou em cena de terno de linho branco, chapéu panamá quebrando na testa e cantando boleros em espanhol. A plateia, deslumbrada, fazia silêncio, quando a orquestra introduziu mais um bolero. Com uma voz possante, que lembrava Gregorio Barrios, fazendo pose de galã, fingindo-se argentino, o bonitão atacou: “Hipócrita, sinceramente, hipócrita. Pelvelsa …

O elenco retirou-se, foi rir fora do circo. Uma noite e tanto que ajudou a reunir energia e melhorar o humor para as gravações do dia seguinte de Vidas Secas.

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