O BBB NÃO É UM JOGO

No futuro, o Big Brother Brasil possivelmente seja percebido pela história do entretenimento como um produto de cultura de massa perverso por provocar e favorecer humilhações, condições de sono, higiene ou alimentação inadequadas, assim como provas de resistência e monstros que beiram a tortura.  Na maioria do tempo, o programa é solar e festivo, o que ameniza o lado sombrio. Mesmo assim, provavelmente estas indignidades sejam inadmissíveis em sociedades vindouras. Da mesma forma como hoje não se admite o corpo nu da mulher para se vender produtos masculinos, o que já foi considerado aceitável.   Através do Jogo da Discórdia, às segundas-feiras, o elenco é levado a desavenças humilhantes e por conseqüência recentemente tivemos até agressão física, o que  rendeu a expulsão da participante Maria.  Todo este horror vem para atender à expectativa de uma audiência adoentada, sedenta por “tretas”, apelido leve para brigas e xingamentos.  

Uma pena que os conflitos não sejam estimulados por contraposição de idéias, modos de vida contrastantes, visões de mundo em oposição, diferenças culturais e sociais. Para que fosse assim, seria preciso exigir conteúdo dos participantes e de quem pensa o programa. E também uma audiência com alcance por conteúdos mais subjetivos.  Seria muito interessante ver provas de conhecimentos gerais e que não fossem só perguntas elitistas, mas perguntas que envolvam conhecimento popular e cotidiano tais como valor exato do salário mínimo e etc. Se houvesse camas para todos, banho e banheiro com privacidade digna, certamente surgiriam participantes mais interessantes. Muito maior ganho do que gera a provocação deste desconforto quase inútil  e vergonhoso para uma emissora como a Rede Globo e seus caros patrocinadores.   

Triste Brasil. Triste programa de maior audiência do país. E poderia sim, ser diferente. É diferente em outros países. Aqui no Brasil, para onde foram os participantes de mais de quarenta anos, os brasileiros naturalizados que vieram de outro país e cultura, os nerds, os carolas que não gostam de festa, pessoas com deficiência que talvez exigissem da produção adaptações nas provas? Não vemos participantes realmente bem diferentes.  Diversidade não pertence só ao campo da sexualidade e etnia. 

Outro ponto: O Big Brother não é um jogo. É dramaturgia espontânea impulsionada por conflitos advindos de provas que redistribuem poder. Ganha o programa quem constrói a melhor trajetória. Ou a menos pior.  Jogo nenhum se resolve no voto ou aplauso. Isto é no máximo concurso ou eleição. Jogo nunca. Futebol é jogo. Ganha quem faz mais gol. Xadrez é jogo. Ganha quem fizer xeque-mate. Ninguém ganha BBB porque ganha mais jogos, provas. Thiago Leifert, ex-apresentador, gamer, e jornalista esportivo foi quem veio com esta definição equivocada e confundiu participantes e o Brasil inteiro acreditou. Juliette, tida como maior “jogadora” de todos os tempos rechaçou esta idéia de jogo verbalmente e em inúmeras entrevistas. Disse só que viveu as experiências proporcionadas pela casa com entrega pessoal. Ainda completo: com certa coerência e com a paradoxal sorte de ter encontrado antagonistas tão pesados que só a fortaleceram como protagonista. Isto é dramaturgia espontânea, de autoria improvisada por seus ATORES. Dramaturgia nova, contemporânea, mas é dramaturgia. Por isto não existe separação de jogador e pessoa. Todos deveriam entrar nesta experiência já se entendendo como personagem real. Assim, o show seria mesmo de realidade. Ou será que todos esqueceram o termo: Reality Show? Se fosse um jogo seria Reality Game, ou Game Show, certo?  

Esta idéia equivocada de que é um jogo faz com que se criem estratégias erradas como esconder-se dentro do pretenso jogo, protegendo-se em um grande grupo ou somando votos antes mesmo de se estabelecer a função de cada um nas histórias/trajetórias conjuntas e entrelaçadas. Relembremos o tal “super jogador” Rodrigo desta edição, eliminado no segundo paredão. Se não “jogasse” nada, teria ido mais longe. Não só ele, mas  a maioria dos participantes que estão fazendo o mesmo nesta edição atual e a direção precisa criar inúmeras dinâmicas de voto para empurrar este bloco de plantas artificiais fincadas em cimento. Em dramaturgia, a designação correta para a idéia de “planta” é “figurante”. Se os participantes entendem que todos ali serão protagonistas de suas próprias histórias e antagonistas, coadjuvantes ou figurantes de histórias ou trajetórias de outros participantes, a coisa muda de figura. Ganha a melhor trajetória vivida, a melhor história de superação, redenção ou carisma. Há espaço até para os personagens que encarnam o alívio cômico e que nem se envolvem em grandes conflitos, assim como foi com o campeão de 2015 , o sertanejo Cesar Lima e o vice de 2018, o sírio Kaysar Dadour.  

 Em dramaturgia, o protagonista é quem se move, quem tem objetivo e virtudes para viver uma trajetória que tenha justificativas críveis.  O objetivo maior não deveria ser a fuga constante do paredão, mas sim fugir de não agradar a audiência com a história que se conta/vive. Fugir do paredão desde o início da experiência significa, na prática, fugir do desagrado dos outros participantes para não ser votado ao tal famigerado paredão. Quem se preocupa em agradar a todos os concorrentes não vive nunca uma boa história. Qualquer história exige exatamente a existência de um conflito empolgante e que se justifique.  

E por mais que se tenha consciência do que foi exposto, nunca se entra vencedor. Vencedores em certas edições foram um fiasco em outra. Kleber Bambam (campeão BBB1) e Dhomini (campeão BBB3) não renderam na edição de 2013 como veteranos. 

 Há também o caso contrário, encarnado por Marcelo  Dourado. Eliminado na quarta edição, foi campeão na décima. É preciso sempre encontrar ou buscar bons coadjuvantes e ótimos antagonistas para a sua própria trajetória.  Figurantes apenas passam e nunca recebem aplauso algum.  Alguém já viu prêmio sério para melhor figurante? Se existisse, a participante Bruna desta edição de 2022 talvez fosse uma unanimidade. O grau de alienação é tanta, que a jovem precisou pensar para responder a pergunta despretensiosa de Viny sobre qual seria a capital do Brasil. Depois de segundos amargos de espera, ela disse: “Brasília”. Justificou-se ao menos em saber que começava com “Bra”. Neste momento senti arrepios como se estivéssemos assistindo a um filme B(BB) de Terror. Mas logo depois me ocorreu uma idéia utópica, porém divertida: Imaginem perguntar a qualquer participante do seu grupinho, valendo uma imunidade, quem teria sido o distópico George Orwell. 

Paula Wenke é dramaturga, poetisa, professora de Interpretação Teatral e para as Câmeras, atriz, locutora, produtora cultural, diretora de teatro e TV, criadora do Teatro dos Sentidos , do Mais – Movimento Arte Inclusiva e do Movimento Letras Poéticas.  

www.paulawenke.com 

paulawenke@gmail.com 

*Colaboração de Paula Wenke.

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2 Comments

  • Nunca assisti nem um capítulo deste programa até hoje, mas escuto e leio as críticas,para ter certeza que estou fazendo certo, e quanto a esta reportagem não poderia ser melhor a definição, um programa que não fala,não pensa, não articula inteligência só articula a massa de um povo que não quer pensar e nem tentar pensa, infelizmente sempre vai ser sucesso.

  • Triste ter um programa que dispense de recursos caros, com patrocinadores fortes com valores extremamente altos, premiando um participante que tem que navegar em um mundo de total ignorância, falta de cultura, desconhecimento da própria história, falta de bom senso e um total despreparo emocional, caráter duvidoso e conduta sexual diversificada e menos fiel que seres irracionais o são, para premiar quem nesses terrenos consegue ganhar mais likes de uma plateia na sua maioria celerada ou simplesmente inocentes úteis para um grupo de pessoas que comandam a mídia e seus protetores….
    A análise da Paula Wenke é uma gota de equilíbrio e ponderação neste mundo de ignorância e letargia que atualmente nos encontramos!!!

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