No Fio da Navalha
Um dos filmes mais emblemáticos sobre a Guerra do Vietnam, avalio, foi Apocalipse Now (1979) de John Milius, direção de Coppola. Narra a tentativa de resgatar o brilhante e altamente condecorado coronel-herói Kurtz (Marlon Brando), cuja mente teria sucumbido aos horrores da guerra, tornando-o mais
monstruoso do que o próprio conflito. Numa das falas, o coronel se diz obcecado pela cena de um molusco que trafega ileso pelo fio de uma navalha. Declarou que isso era um poder invejável, tanto que se imaginou passando incólume por perigos absolutos como fez o inseto.
Claro que o ambiente conflagrado ou sucumbido a cataclismos, como a passagem de um tornado, o rompimento de uma barragem de rejeitos, ou as tormentas que ora afogam o Rio Grande do Sul, são plenamente capazes de transtornar, enlouquecer.
Também o desamor, a solidão e a injustiça têm esse voraz condão de promover a demência, temporária ou definitiva, especialmente pela tristeza envolvida. Alphonsus de Guimaraens, poeta ouro-pretano, em Ismália, nos mostra, de forma emocionante, a distensão entre o que se deseja e aquilo de que se é
capaz.
As PcD, muitas vezes, são percebidas em um dos estremos. Ou se espera delas heroísmos e genialidades, ou que apenas vegetem incapazes de prover sua própria existência ou subsistência. E é exatamente nesse vórtice de sentimentos contrastantes que perdemos uma gigante magnífica, lutadora incansável na
cruzada pelo reconhecimento dos direitos das Pessoas com Deficiência. A deputada federal Amália Barros, nos deixa jovem, aos 39 anos. Nos representou com honra e garra de quem não se deixa abater frente aos grandes desafios. Não apenas os diagnosticados com toxoplasmose, mas todos os que demandam políticas públicas de saúde. Tanto na prevenção quanto nos tratamentos. Vai fazer muita falta.
Quando se diz que, em tempos adversos, há que se matar um leão por dia, para continuar sobrevivendo, muitas vezes se instala, nas PcD, a sensação do Antonico, personagem do samba de Ismael Silva, lançado pelo cantor Alcides Gerardi(1950): vem o sentimento de quem está “…dançando na corda bamba”.
E este recorte social, espera relativamente pouco, comparado aos sonhos mirabolantes de quem já alcançou quase tudo na vida. A redução das barreiras arquitetônicas; o respeito às diferenças pelas quais não se optou; trafegar por caminhos livres de obstáculos evitáveis e, claro, trilhas mais largas que o fio da
navalha.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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2 Comments
Muito legal!
Obrigado.