Na subida do Morro
Parafraseando Geraldo Pereira, Moreira da Silva e Ribeiro Cunha, que inauguraram esse título, num samba de 1952, resgato uma experiência pessoal, de 1979, no Alto Vera Cruz, BH.
Sábado quente à tarde, atendendo a um gentil convite da Leninha, namorada do amigo, Jorge, nos dirigimos à casa dela entusiasmados. E o bom de ter amigos é que, às vezes, estão tão atentos ao nosso bem-estar, que podemos incorrer em alguns pequenos riscos, com a convicção de que estaremos seguros, protegidos. Nesse caso não foi diferente.
Apesar de caminhar em desequilíbrio, eu evitava o apoio da bengala, pois insistia no equívoco de crer que não era estético, que ela seria um limite a mais para a minha condição de PcD. Hoje reconheço que, na verdade, é ela, assim como o tutor longo da perna esquerda, que me emprestam alguma estabilidade e liberdade para uma marcha com mais segurança.
Depois de descer do ônibus para chegar à festa, tínhamos de andar uns trezentos metros, numa rua estreita, em ascensão íngreme, pavimentada de asfalto. Mais ou menos no meio dessa ladeira, meu amigo demonstrou ainda mais preocupação, porque havia areia, resquícios de uma obra, espalhada no asfalto. Como costumo me deslocar olhando para baixo, pelo hábito de prevenção contra eventuais obstáculos ou desníveis, a escorregadia areia, claro, já estava “no meu radar”.
Entre o casario humilde como seus habitantes, colorido como um caleidoscópio, podia sentir os olhares, também apreensivos, dirigidos a mim, pelo risco de um escorregão e consequente queda. É bastante perceptível, pois já se tornara comum, afinal tanto eu quanto os bêbados inveterados não inspiramos tranquilidade, ou a certeza de continuarmos de pé nessas circunstâncias.
Quando fui acometido pela paralisia infantil, em 1957, a vacina que me protegeria não estava disponível e por isso, muitos fomos infectados, e outros tantos sofremos sequela perpétua. Diferente dos bêbados que podem estar sóbrios na manhã seguinte, ao acordar todos os dias, continuarei com meu caminhar instável, inseguro.
Naquele dia, no entanto, um fato inusitado se apresentou: o meu amigo, um atleta, goleiro dos bons em futebol de salão, foi quem escorregou e estatelou no chão, assustado.
Todos nós, bem no fundo de nossos corações, sabíamos que não deveríamos rir naquela situação preocupante…
Todavia o meu risco de queda, que não se realizou, aumentou bastante quando nem eu, nem ele, nem o respeitável público em derredor caímos em incontroláveis gargalhadas.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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16 Comments
Bela história. Muito bem descrito o momento. Tão nítida que me senti presente naquele momento. Lembranças…. sendo sincero, pelo contexto, até eu estou rindo do atleta.
Obrigado, Senhor Kleber.
Situações assim, de forma leve e às vezes hilária, tentam mostrar a importância de proteger as nossas crianças.
Grande abraço.
Belíssima mensagem como sempre! Mário, suas palavras são sempre inspiradoras, leves e encorajadoras! E que bonito você sempre carregar a leveza na alma! E é com essa mesma leveza que você está rodeado de amigos! Porque quem tem amor no coração e leveza na alma só atrai o melhor do mundo! Alegria e amizade são só alguns destes exemplos! Posso imaginar a cena da gargalhada de vocês no final… e isso, sim, é privilégio seu… transformar situações em alegrias… e olhar tudo com alegria… e nessa sua caminhada bonita, ir conquistando e atraindo mais pessoas, mais amigos… e a vida vai seguindo com leveza e com alegria… e me permita também chamá-lo de amigo! ! Parabéns sempre, meu amigo, pelas palavras alegres, leves e que nos inspiram! Por mais pessoas como você no mundo! #paznomundoenoscoraçoes
Obrigado, Senhora Sayuri.
Realmente, tentar buscar motivos de encorajamento e alegria, mesmo nas adversidades, nos ajuda a continuar buscando vencer o desafio de proteger as nossas crianças.
Grande abraço.
Eu bem sei como acontecem esses episódios,como sendo sequelado de pólio assim como você, eu vivo essas circunstâncias em toda a minha vida. O que me confortava mesmo era a minha destreza de levantar e seguir como se nada houvesse acontecido. Sobrevivi esses tombos superando-os pra viver e vivo até então.
Obrigado, Senhora Rita.
Espero que sejamos “dinossauros”, no sentido de sermos os últimos PcD, em decorrência de sequelas de pólio. Isso seria um grande presente, de proteção, às nossas crianças.
Grande abraço.
Eu bem sei como acontecem esses episódios,como sendo sequelado de pólio assim como você, eu vivo essas circunstâncias em toda a minha vida. O que me confortava mesmo era a minha destreza de levantar e seguir como se nada houvesse acontecido. Sobrevivi esses tombos superando-os pra viver e vivo até então superando tombos…mas vivendo com alegria e gratidão!
Obrigado, Senhora Rita.
Suas palavras são um estímulo para continuar a buscar proteção para nossas crianças.
Grande abraço.
Parabéns Serginho pela sua alegria de viver e pela simpatia que exala. É sempre prazeroso ouvir suas histórias de vida que só confirmam o seu seu entusiasmo e otimismo em relação a tudo e a todos.
Obrigado, Luiza.
Essa força, essa alegria, é o resultado do apoio de pessoas como você em prol da proteção de nossas crianças.
Grande abraço.
Realmente, o Jorge sempre foi muito hábil.
Obrigado, Senhor Waldir.
A cena não será esquecida – rs rs rs.
Assim como a busca pela proteção para nossas crianças.
Grande abraço.
Com a maestria de costume, Mário Sérgio reveste a informação (e o alerta sobre a poliomielite) com um relato autobiográfico leve e bem humorado, parabéns!
Obrigado, Senhor Marcus.
A proteção para nossas crianças, para se consolidar, demanda agregar pessoas à causa. E tratar do tema com responsabilidade, mas sem o tornar maçante é um grande desafio.
Grande abraço.
kkkkkk kkkkkkk kkkkkkk
Parabéns! Sérgio, você sempre foi e será um vencedor. Passou por muitas dificuldades mas, venceu e vencerá todas. Tenho orgulho de ser sua fã e amiga.