Milionários passam a ocupar eixo Pirenópolis e Chapada dos Veadeiros
Nordeste goiano ganha novas construções sofisticadas que contrastam com a paisagem do Cerrado; até castelo iraniano há no local
O mito do paralelo 14 sempre interligou Alto Paraíso de Goiás com Macchu Picchu, no Peru. O misticismo trata-se de uma linha imaginária que corta o planeta. Muitos ainda acreditam que há túneis que funcionam como portais energéticos capazes de curar muitas doenças de quem frequenta o local. Esoterismos à parte, a Chapada dos Veadeiros se tornou alternativa para o turismo badalado de Pirenópolis, ampliando o movimento para o Nordeste goiano. Nesta marcha, se destacam os milionários que estão sendo atraídos para aquele local.
Para quem vive e toca negócios na Chapada, o movimento já vinha ocorrendo, mas foi acelerado pela pandemia de Covid-19, quando as populações ficaram isoladas devido ao lockdown. Até algumas décadas atrás, por exemplo, a principal cidade do Nordeste, Alto Paraíso de Goiás – apelidada de capital da Chapada, não possuía tanta infraestrutura, como acesso à internet, por exemplo. No entanto, o novo movimento de “marcha” para o Nordeste foi expandido para toda a região, incluindo Cavalcante de Goiás, um município predominantemente quilombola.
No Norte e Nordeste goianos, se formaram vários quilombos entre os séculos 18 e 19. Nesses locais remotos e de difícil acesso, historicamente, ex-escravos fugidos conseguiram ficar isolados por séculos, e foi nesses ambientes inóspitos, se formaram comunidades quase que autossuficientes. Os principais quilombos registrados foram Acaba Vida, Muquém e Papuã (Niquelândia, GO), Forte (São João d’Aliança, GO), Mesquita (Luziânia, GO), Pilar (Goiás) e Kalunga (Cavalcante, Teresina e Monte Alegre).
Pode-se afirmar que a Chapada dos Veadeiros é a maior região conservada com Cerrado, onde se encontra um dos maiores parques nacionais do Brasil. Talvez pela própria dificuldade do acesso e das populações que se instalaram no local, que apesar do avanço do agronegócio consegue, por meio do turismo, conservar as riquezas naturais, que são suas fontes de renda.
Para o gestor do Instituto Aldeias, Lourenço Andrade, mineiro de Uberaba, que há mais de uma década foi fisgado por Alto Paraíso, a cidade possui uma ancestralidade quilombola muito forte. “Um dos desafios que nós temos aqui é a integração de fato dessas culturas, porque historicamente os quilombolas e kalungas vieram de um processo de exclusão muito forte e conseguiram por meio de lutas conquistar o território. Reduto natural muito preservado, mas em torno ameaçado”, lamenta.
Chama a atenção de Lourenço a questão de Alto Paraíso ser um cidade interiorana e pequena, com pouco mais de 10 mil habitantes, de acordo com o último Censo, mas se caracteriza como um município “grande em alguns aspectos”. “Com uma diversidade religiosa enorme, presença de pessoas de todas as partes do mundo, especialmente da Europa, mas também de Israel e Rússia. É impressionante essa diversidade e de todas as partes do Brasil e de toda a América”, descreve.
Estar em Alto Paraíso é como estar em várias partes do mundo. Essa diversidade ressaltada por Lourenço é bastante viva nas ruas e comércios locais. Pela cidade, é comum se deparar com pessoas caracterizadas com vestimentas típicas de outros países, como indianas.
Mas quem vive há mais tempo na Chapada dos Veadeiros, e que chama Alto Paraíso de Goiás de apenas Alto, pode descrever o movimento pulsante porque passa por toda a região. O casal Denise Polla Vianna e Vitor Hugo Giuberti montaram a pizzaria Lua de São Jorge, na Vila São Jorge, a 37 km de Alto Paraíso, em 1997. Antes, eles conciliavam o trabalho com uma pousada em Arraial de Judas, em Porto Seguro, na Bahia. O estabelecimento foi vendido. “Sabe aquele filme Crocodilo Dundee? O meu marido é o próprio [risos]”, brinca. A empresária recorda que naquela época eles frequentavam Brasília, mas que o esposo criticava muito o ato de usar sapato. “Aí a gente descobriu a Chapada, que tem muito a ver com a gente. Assim como foi Arraial D’Ajuda, que era um lugar alternativo”, lembra.
Denise conta que quando chegaram na Chapada, o perfil de frequentadores era de mochileiros e visitantes esotéricos, que improvisaram acampamentos. Isso tudo vem sendo substituído por construções de muitas residências. “Agora, estamos tendo dois perfis de pessoas. Tudo mudou muito com a pandemia, antes a gente enfrentava uma vida alternativa mesmo. Chegamos a morar aqui sem luz nas casas, depois teve luz. Era uma vida diferente mesmo. Agora, eu alugo cinco casas na Chapada”, comemora. Segundo ela, até a culinária ganhou status. “A gastronomia de São Jorge é maravilhosa, temos chefes renomados. O padrão é outro”, pontua.
Realmente, a Chapada dos Veadeiros tem conquistado profissionais de todas as áreas. Uma das mais conhecidas chefs de Brasília, Mara Alcamim se mudou para a região com a esposa Luciana Alcamin. O restaurante fundado por elas foi batizado de Farofa e funciona na Vila São Jorge. Antes, Mara ficou conhecida por fundar o Universal, um dos espaços gastronômicos mais tradicionais da capital federal. Porém, durante a pandemia de Covid-19 o casal resolveu passar um período fora do Distrito Federal, quando assumiram a administração do “Na Mata”, restaurante no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Esse foi o começo de uma nova história para as duas.
Arquitetura
Para atender ao novo público da Chapada com poder aquisitivo, que busca conforto, apesar de estar em um ambiente mais natural, a estética arquitetônica local passou por alterações. Há doze anos em Alto Paraíso de Goiás, o arquiteto Daniel Carvalho afirmou ao Jornal Opção que vem acompanhando o movimento dos milionários que são atraídos pela região. Inclusive, antes da entrevista, ele contou que estava atendendo um casal, o homem era da Ásia e a esposa de Portugal. “A movimentação de pessoas acaba tendo um reflexo direto na construção”, pontua.
“As pessoas vêm porque procuram um lugar mais tranquilo, deixam a cidade para tentar mudar um pouco esse modo de vida das grandes metrópoles”, entende. “Essas pessoas vêm realmente para terem uma mudança de vida, para poderem estar imersas na natureza e sem se desconectar de todo o trabalho. A gente teve essa questão de estar com tudo conectado. Por exemplo, eu desenvolvi trabalhos dentro de fazendas com empresários que têm residências em diversos lugares do mundo e eles acabam optando por construir aqui”, compartilha. Segundo Carvalho, a proximidade com duas grandes metrópoles favorece bastante a região. “Estamos aqui como um quintal de Brasília e de Goiânia”, salienta.
Arquiteta e urbanista, Luana Lousa já frequenta há mais 30 anos a Chapada dos Veadeiros, e na última década testemunhou com velocidade uma mudança que não mostra sinal que irá parar. “De três anos para cá, vi as coisas mudarem na velocidade da luz. Terrenos sendo comprados para proteger a água, o solo, as raridades do nosso Cerrado. O que percebo hoje é uma necessidade forte de preservar, e que a visitação e a ocupação das áreas está muito pautada nisso. Um público seleto de ‘mais conscientes’. Assim como o aumento da consciência ambiental geral, vem pairando sobre a chapada de forma gradativa e ascendente”, ressalta.
A arquiteta nota que antes da pandemia existia um público classificado como “amantes da natureza”. Eram esportistas e espiritualistas. Nesse processo, Luana destaca uma nova movimentação no local. “Hoje, vemos um público diferente, acho que poderia chamar de ousado, rasgando o Cerrado e empoeirando seus carrões em nossa bela terra vermelha. E esse público é o que vem chegando e marcando presença, comprando grandes áreas para ocupar o mínimo, no intuito puro e simples de preservar”, enfatiza
Castelo iraniano
Nessa pegada de contrastes entre o natural e construções sofisticadas, foi erguido um castelo com arquitetura iraniana em plena Chapada dos Veadeiros. Trata-se da residência da princesa Sahar Farmanfarmaian. Ela é descendente da dinastia persa Qajar (que reinou no Irã de 1785 a 1925). A integrante da realeza oriental é ilustre moradora de Alto Paraíso de Goiânia. Sahar acentua que intercala longas temporadas no local entre viagens para Nova York, Londres e Paris. O relato foi publicado pelo site Green House.
A princesa revelou que conheceu a Chapada por amigos e que se sentiu bastante atraída pelo local. Entretanto, a maternidade que lhe fez relembrar do lugar. “Em 2006, sentindo-me perdida com uma criança na barriga em Nova York, lembro-me de sair para o parque e abraçar uma grande árvore e perguntar ‘O que eu faço agora?’. A resposta que obtive foi Alto Paraíso. O bebê me trouxe aqui”, disse Farmanfarmaian, que chegou a morar por um período na Índia.
*Com informações de Jornal Opção