Jogar videogame pode trazer reflexos positivos para a saúde mental
Estudo da Universidade de Oxford aponta relação positiva dos games com o bem-estar psicológico dos usuários; especialistas avaliam modelos e fazem ressalvas
Os jogos de videogame podem ser positivos para a saúde mental dos usuários. É o que aponta pesquisa desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Diferente do senso comum, que demonstra uma preocupação sobre a influência dos games nos jovens, principalmente, o estudo publicado em novembro de 2020 mostra que há uma pequena relação entre modelo de entretenimento e o bem-estar mental dos usuários, além de aspectos favoráveis para a sociabilidade. A pesquisa analisou o reflexo dos games na vida de três mil jogadores adultos e o entendimento é que o modelo de cooperação proposto pelos jogos cria um “contexto social”, que se torna uma alternativa razoável para a vivência em sociedade, explica o psicólogo Luiz Mafle, doutor em psicologia pela PUC Minas e Universidade de Genebra. “Podemos entender que quando existe alguma cooperação, e esses são jogos que não vão demonstrar uma competição muito grande entre os usuários, isso apresenta um benefício, porque existe algo para além do jogo, que vai para o social. Dentro desse universo, isso possibilita o contato, o que traz benefícios para a saúde mental”, detalha Mafle.
Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a se pronunciar afirmando que o “distúrbio de jogos” é um comportamento viciante e classificou o vício como uma doença. No entanto, a pesquisa de Oxford mostra um cenário oposto, com resultados positivos para os envolvidos, ainda que preliminares. Então, de fato, os jogos fazem bem ou mal para o psicológico dos jogadores? Entre os especialistas, a avaliação é que não há uma resposta única para a pergunta, uma vez que os reflexos mentais podem variar em cada dinâmica, dos objetivos e missões envolvidas em cada fase e em cada modelo de gamificação. Há jogos que contribuem para a sociabilidade, com a capacidade cognitiva e de memória dos usuários, com habilidades de espaço, trabalho em equipe e até tomada de decisões, sendo indicados por psicólogos como tratamentos alternativos, explica a psicóloga Vanessa Gebrim. “Contribui para sociabilidade, ajuda muito nesse sentido e também tem outros fatores em que videogame ajuda, mas é muito sério falar que ajuda na saúde mental, porque se não usar com moderação, pode prejudicar. Em casos extremos, pode virar um vício, prejudicar o sono e o organismo, gerando fadiga e estresse também.”
Além disso, é importante frisar que a pesquisa analisou usuários de dois jogos considerados “sociais”: “Animal Crossing” da Nintendo e “Plants vs. Zombies” da Electronic Arts, desenvolvidos sem qualquer caráter violento, o que minimiza possíveis impactos negativos na saúde mental dos envolvidos. Porém, jogos violentos tendem a “dessensibilizar a pessoa da sociedade” e o reflexo no estudo seria diferente. “A pessoa pode pegar aquele comportamento [do jogo], em um processo de aprendizagem social e querer replicá-lo na sociedade, o que é muito preocupante”, pontua o psicólogo Luiz Mafle. Em outras palavras, o professor Andy Przybylski , diretor de pesquisa do Oxford Internet Institute, reconhece que os resultados da pesquisa não significam que “todos os videogames são bons” ou que “todos os jogadores se beneficiam”, mas os dados são considerados o primeiro passo para a ciência entender o verdadeiro impacto dos games no bem-estar mental. “A discussão sobre os videogames se concentrou no medo de que grande parte dos jogadores se viciasse, e nossos resultados desafiam essa visão. [Eles] sugerem que jogar pode ser uma atividade que se relaciona positivamente para a saúde mental das pessoas – e a regulação dos jogos pode reter esses benefícios”, diz parte da pesquisa.
Se para a ciência os resultados são positivos, entre os desenvolvedores de jogos as avaliações também são favoráveis. O Rogério Felix, diretor de formação e desenvolvimento de games da ZION, escola de formação de desenvolvedores de games, ressalta que os jogos tomam “uma outra proporção”, deixando o papel apenas de divertimento e se tornando plataformas de simulação, treinamento, imersão e socialização”. “Não tenho dúvidas que isso venha a fortalecer cada vez mais o mercado de jogos, pois várias pesquisas que estão em andamento provam que o jogo ideal, no momento certo, feito da forma correta e aplicado da forma adequada, consegue criar grandes resultados. A maior preocupação que temos que tomar é saber escolher o jogo, a carga horária que esse aluno vai usufruir do game, entender também a cultura da família”, completa Felix.
Outro lado: Alerta às crianças
Embora o estudo de Oxford aponte que o uso de jogos para adultos pode trazer bem-estar para os usuários, especialistas alertam que é preciso estar atento ao público infantil. A especialista em neurociência e desenvolvimento infantil do Projeto Pigmeu Ana Macedo explica que entre as crianças, os reflexos dos jogos podem ser contrários. Segunda ela, na primeira infância, o uso de telas deve ser nulo e as brincadeiras precisam focar nas “habilidades motoras, sonoras, cognitivas e sociais da criança”. Já entre os adolescentes, a preocupação é com a liberação no cérebro de “substâncias viciantes responsáveis por ativar o sistema de gratificação rápida”, o que pode levar o jogador a uma falsa sensação de previsibilidade e controle do mundo virtual em contraste com o mundo real, o que gera frustração. “Os limites entre a diversão e o vício são difíceis de definir”, inicia Ana Macedo, que indica quais os melhores games para momentos de tempo livre. “Escolha jogos que estejam relacionados com o desenvolvimento da linguagem ou sobre as descobertas do mundo natural. Estes jogos seriam mais produtivos e trariam benefícios mais sólidos e úteis para um desenvolvimento saudável”, acrescenta.
Outra atenção necessária, e uma das maiores preocupações das famílias – e dos psicólogos – é com o escapismo, principalmente na adolescência. Ou seja, a prática dos usuários de utilizarem os jogos como “válvula de escape” da realidade, situação preocupante, já que pode limitar o desenvolvimento de habilidades sociais e afastar aquele indivíduo da família e do chamado “mundo real”. “Qualquer situação que a gente coloque como sendo solução para evitar o contato social e os desafios que se colocam é muito preocupante, porque viver em sociedade exige da gente, o tempo todo, negociação, readaptação e criar novas habilidades. E se esconder atrás dos jogos pode ser uma possibilidade de limitar o desenvolvimento. Então, de um lado, os jogos podem ser positivos, mas se não for com moderação, podem causar prejuízos. Não adianta a pessoa ter contato virtual, mas deixar de fazer outras coisas durante o dia a dia”, reforça a psicóloga Vanessa Gebrim.
Vilão ou mocinho: Como avaliar?
Na visão dos especialistas, dois pontos devem ser analisados para avaliar se um jogo é positivo ou negativo para o bem-estar mental: o estilo do jogo e a idade do jogador, explica o psicólogo Luiz Mafle. “Existem jogos que vão propor a sociabilidade, tem jogos que vão propor competição, outros uma habilidade individual maior e em cada momento isso é o importante para a sociedade como um todo. Então, em cada contexto é que vamos olhar: essa competição está fazendo ele se isolar da sociedade? É um jogo que busca o vício para manter a pessoa presa? Qual a idade da pessoa que está utilizando o jogo? É uma criança com 7 anos ou adolescente até os 14? Seria um privilégio para ele entrar no jogo ou um problema para a sociabilidade? Então esses dois pontos: o quanto o jogo é criado para manter a pessoa mais presa dentro dele, evitando contatos sociais, e qual idade a pessoa tem, aí sim esses desenvolvimentos vão sendo feitos com mais qualidade para a sociedade.”
*Com informações de Jovem Pan