INSTABILIDADE

Por Aloisio Nascimento
Jornalista

As exigências para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal estão no Art.101 da Constituição de 1988 : idade mínima de 35 anos; notório saber jurídico e reputação ilibada. Bacharel em Direito pela USP em 1990, José Antonio Dias Toffoli advogou em São Paulo de 1991 a 1995 (CUT e Legislativo Estadual). Em Brasilia, foi assessor jurídico do PT na Câmara dos Deputados; atuou em campanhas do PT; em 2003 (posse de Lula) foi nomeado assessor jurídico na Casa Civil, do ministro José Dirceu. Em 2007 assumiu a AGU e 2 anos depois foi indicado ao STF. Uma carreira (política) meteórica.

Sabatina

O sistema de nomeação de juízes para a Suprema Corte varia entre países democráticos. Na França, os 3 poderes escolhem os 9 juízes com mandato de 9 anos. Na Alemanha, Senado e Câmara escolhem 16 com mandato de 12 anos. No Senado dos EUA a sabatina dos 9 juízes indicados pelo executivo é exaustiva, pode durar até 4 dias e o mandato é vitalício. Aqui, o processo segue um script à brasileira, conforme o contexto político do momento. O poder executivo indica 11, o Senado aprova e eles se aposentam aos 75 anos. A aprovação é negociada entre os 2 poderes, o que tira eventual emoção da sabatina no Senado: ela dura poucas horas e a aprovação é certa, como na votação geral em plenário.

Saber e Reputação

Natural de Marília, Toffoli foi reprovado em dois concursos públicos em São Paulo para juíz de primeira instância (1994/95). Em ambos, não passou da primeira fase. É público que seu escritório de advocacia foi condenado duas vezes no Amapá (2000 e 2006). No primeiro caso ele foi acusado de firmar contrato com o governo em licitação “eivada de nulidade” e de “infringir os princípios da legalidade e da moralidade”. A sentença (devolução de R$20mil) foi anulada em 2008. No segundo, em outra licitação viciada, foi condenado a devolver R$420mil ao Estado.

Em setembro de 2009, quando o Presidente Lula confirmou sua indicação para o STF, Toffoli comunicou ao Senado que sua condenação no AP não era definitiva, pois havia interposto recurso que ainda tramitava na justiça. Rápido, ele já adiantava à Comissão Especial que sua ficha estava limpa. O segundo processo também foi anulado pela justiça do AP dias antes dele ser sabatinado pelos senadores.

Revisionismo e negacionismo

Revisionismo e negacionismo encontram terreno fértil em regimes autoritários para propagação de suas ideias. Em escala menor, naqueles em que a democracia convive com fragilidades institucionais e políticas, como a brasileira.
O primeiro busca criar uma nova interpretação para desconstruir a compreensão reconhecida e aceita como uma verdade histórica, como a farta documentação comprobatória da corrupção no Brasil. Geralmente, atende interesses de grupos sociais.
O negacionismo, que remonta ao período nazista, é um movimento que utiliza a mentira como ferramenta política para disseminar desinformações negando a existência de verdades históricas, como o Holocausto, a ditadura militar, a pandemia da COVID-19 e a operação Lava Jato no Brasil. Também atende interesses de grupos sociais.

Ao anular -em decisão isolada- as provas “imprestáveis” obtidas pela Operação Lava Jato no acordo de leniência firmado com a Odebrecht, o ministro Toffoli não compromete apenas sua frágil biografia, mas levanta suspeita também sobre a competência de ministros e desembargadores de tribunais que julgaram e/ ou confirmaram condenações. Além de mergulhar o País num indesejável clima de insegurança jurídica, cria ainda um cenário com potencial de causar prejuízos bilionários aos cofres públicos e contribuintes.

Em entrevistas ao Estadão em 2016 e 2019, o ministro Toffoli afirmou que a Operação Lava Jato “segue dentro do Estado Democrático de Direito”, e colocou o Brasil “numa outra dimensão do ponto de vista do combate à corrupção”.
Hoje, ele diz que a prisão de Lula em 2018 “foi o maior erro judiciário do País. Uma conspiração para colocar um inocente como autor de crimes que jamais praticou”.

O plenário do STF deveria analisar com acuidade essa decisão de Toffoli. Não só pelos danos imprevisíveis que ela vai causar ao país, mas também pela aparente instabilidade jurídica do autor com a volta do PT ao poder. Lula estava preso em Curitiba (janeiro de 2019) e uma autorização parcial do então presidente do STF, Dias Toffoli, não permitiu que ele fosse ao enterro do irmão Genival Inácio da Silva (também metalúrgico), na região do ABC.

Natureza humana

Poucos meses depois daquele episódio que abalou a relação entre Lula e Toffoli, a revista Crusoé circulou com reportagem de capa sob o título “O amigo do amigo do meu pai”, baseada em documentos entregues por Marcelo Odebrecht, então colaborador da justiça na Operação Lava Jato. Citado na matéria como “o amigo” (os outros dois eram Lula e Emílio Odebrecht), o presidente do STF, Dias Toffoli, negou as informações contidas na matéria e indicou o ministro Alexandre de Moraes para fazer as apurações necessárias. Moraes censurou a revista e recebeu pesadas críticas de vários setores, inclusive no próprio STF: o ministro Marco Aurélio Mello considerou a censura “um retrocesso”.

Em 2007 Marcelo Odebrecht enviou este e-mail aos executivos da empreiteira em Brasilia: “Afinal, vcs fecharam com o amigo do amigo do meu pai?” Eram tratativas que a empreiteira fazia com Toffoli, na AGU, sobre licitação de terras envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. Poucos meses depois a empresa ganhou a disputa para construção e operação da Usina de Santo Antônio.

Na época o empreiteiro resumiu o que esperava da proximidade com o chefe da AGU: “Ele tinha potencial. Se vc ajudou o cara, vc cria a expectativa de que, lá na frente, ele recebe vc, ele vai te escutar, vai criar uma boa vontade. Isso é da natureza humana”. Além de garantir voto para Dias Toffoli na sabatina do Senado que aprovou sua nomeação ao STF, Marcelo Odebrecht também apoiou a candidatura do irmão José Ticiano Toffoli à prefeitura de Marília.

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