Futebol x Política: uso da camisa da Seleção Brasileira na Copa divide a torcida
Utilizado por movimentos de direita, uniforme virou alvo de repulsa por parte da população e chegou a afetar vendas do varejo
As eleições de 2022 acabaram e daqui nove dias começa a Copa do Mundo. E tem muito torcedor dizendo que, por causa da política, não vai usar a camisa da Seleção Brasileira. Adotada pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, usada por manifestantes contrários à vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a camisa do Brasil divide a opinião da torcida brasileira para a Copa do Catar.
Tanto divide, que o próprio Lula foi a público pedir para os brasileiros usarem as cores verde e amarela na Copa.
“A gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13”, escreveu, em publicação no Twitter.
Apesar disso, muitos dos torcedores ainda rejeitam a ideia de torcer com a camisa da Seleção. É o caso do redator Arthur Souza, de 22 anos. Ele cita que não se sente confortável com as cores da camisa desde 2016. “Esse símbolo já era usado pela direita desde o projeto para tirar Dilma Rousseff do poder, então há muito tempo ela é usada por grupos reacionários e não me reconheço nisso”, afirma. Arthur conta que usará a camisa branca com gola azul, por questão política e estética.
Para ele, será difícil retirar a relação entre política e as cores verde e amarela da Seleção. “Eu usava na Copa do Mundo e por ser criança até ter noção de tudo isso, por mim a política e os movimentos antidemocráticos reforçaram o sentimento de repulsa nas cores”, pontua.
A estudante de publicidade Bianca Mostert, de 23 anos, apesar de sentir que as cores da seleção não a representam, vai utilizar a camisa oficial verde e amarela da Seleção. “Continuo achando uma das mais bonitas do mundo, mas sinto que perdeu a representatividade do futebol. É chato pensar nisso, mas só relaciono a política”, comenta.
Ela até pretendia usar a toda azul e com detalhes em verde, mas decidiu por usar a mais tradicional. “Se ligarem a política, não vou ligar. Sei dos meus ideais e não é isso que irá me impedir de usar a camisa amarela. Mas usarei por gostar dela, acho a mais bonita”, indica. Para ela, será difícil desvincular as cores, mas pensa que pode haver uma mudança de comportamento quando Lula assumir o governo ou o Brasil ganhar a Copa.
Para os eleitores de Bolsonaro, a camisa da Seleção ganhou novo significado com as eleições, mas pensam que a Copa irá retomar a torcida pelo bem comum: o hexa. Para o empresário Alexsandro Soares, ele utilizou a peça nas eleições por ser patriota, mas usará na Copa por ser “um momento único”. “Gosto de usar também no dia a dia, independente de ser esquerda ou direita, todos nós somos brasileiros, devemos usar”, afirma.
Alexsandro analisa que com a chegada da Copa, todos devem utilizar e o campeonato pode representar uma trégua, independente do lado político. “Mas acho que todos devem usar, a democracia que venceu, temos que aceitar, né? E torcer para ter um bom governo e com isso todo mundo ganha”, diz. Apesar disso, Alexsandro acredita que a relação com a política não vai ir embora tão cedo. “Acabando a Copa, iremos utilizar, acho. Mas se tiver um resultado negativo para a seleção, pode ser que muitos parem de usar. Mesmo assim, muitos não irão esquecer dela”, pontua.
Sobre a publicação de Lula incentivando o uso da camisa, Alexsandro, mesmo não votando no candidato eleito pelo PT, concorda com ele. “Acredito que ele está certo, acabou né? Todos os brasileiros devem usar a camisa, independente do que apoia. Penso que todos devem torcem com tranquilidade, acredito nisso aí”, avalia.
Hiram Vidovichi, cirurgião-dentista e coronel da reserva da Aeronáutica, pensa que a camisa da Seleção Brasileira não pertence a nenhum lado político. “Seria uma tolice se não usassem, sempre usei a camisa do Brasil, independente de quem voto. Mas penso que a esquerda sempre se posicionou com as cores vermelhas e querem mudar por terem perdido o prestígio”, analisa.
Para ele, a direita não se apoderou da camisa da Seleção Brasileira, mas que a esquerda não tinha o hábito de usar a peça. “Não sinto que nós nos apoderamos, a camisa é de todos, mas os esquerdistas sempre usaram vermelho, não faziam questão de mostrar que eram nacionalistas”, pontua.
Rodrigo Breato, sociólogo do Grupo Reinserir Psicologia, analisa que a aversão que Bianca e Arthur sentem é natural, mas reversível. “O verde e amarelo é facilmente associado a extrema direita e aos valores. Historicamente, o espectro político carrega esses valores de exaltação aos símbolos nacionais, como ilustração do patriotismo”, analisa.
Ele comenta que para Bianca, Arthur e pelo menos 50,90% da população desassociar as cores para a política levará tempo. “O patriotismo não é uma representação de uma parte da sociedade. A Copa pode amenizar a situação, mas não soluciona a polarização extrema, será difícil fazer com que todos enxerguem as cores do país como identidade”, lamenta.
Apesar de o futebol ser visto como entretenimento por parte do público, ele é influenciado pela política nacional. Segundo Breato, o esporte acolhe a todas as camadas da sociedade e a polarização acentuou o envolvimento das duas áreas. “Podemos dizer que o futebol e a política sempre caminharão juntos por ser um ponto democrático em um país desigual”, diz.
Política afetou as vendas
A Nike, fabricante oficial da camisa da seleção brasileira, lançou a camisa da Copa do Mundo de 2022 trazendo as cores em um novo formato. Como forma de ressignificar as cores verde e amarela, a empresa decidiu apresentar a “garra brasileira, com espírito e resiliência do Brasil, acima de tudo”.
Com a onça-pintada, animal que se popularizou nos últimos anos, a fabricante também apresentou a camisa com artistas, atletas e jogadores de futebol que são populares independente da polarização política. Procurada pela Band, a Nike, por meio da FISIA, distribuidora oficial da marca no Brasil, informa que o lançamento foi um dos maiores da CBF no Brasil.
“Nos dois primeiros dias do lançamento dos uniformes vendemos cerca de 10 vezes mais camisas em comparação à 2018. E, com 10 semanas de vendas, atingimos um recorde de 52% a mais de produtos vendidos, também em relação ao mesmo período de 2018”, aponta. Para a marca, as vendas refletem “a conexão verdadeira criada entre torcedores e a história da camisa”.
CBF faz campanha
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também faz uma campanha que remete ao fim das eleições. Para a organização, como as eleições acabaram, é hora dos brasileiros se reconectarem. “O futebol não vive sem o torcedor. E conectar pessoas de todas as idades, lugares, cores, raças , ideologias e religiões ao futebol é o nosso propósito”, afirmou em comunicado Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF.
Uma das principais lojas desportivas no Brasil, a Netshoes, informou que do lançamento da camisa em agosto até o fim de outubro, o site vendeu 27 mil peças. Dessas, 56% foram amarelas, 38% azuis, e 6% pretas. Segundo a Nike, as pretas com detalhes de cacto e outros símbolos não são oficiais, apesar de certas lojas venderem. Apesar disso, a camisa faz sucesso. A Netshoes pontuou que todo o estoque de camisas do tipo foi vendido em duas horas desde a subida no site.
Comércio fatura com polarização
Enquanto o mercado oficial tenta desvincular a política das cores da Seleção os vendedores de réplicas informais enxergam pontos positivos no uso político da camisa. Denis de Oliveira, vendedor de réplicas de primeira linha há seis anos, conta que da Copa de 2018 para 2022, as vendas da camisa da seleção cresceram.
“Sem dúvida vendi mais esse ano, além da Copa, as eleições afetaram minhas vendas também, muitos grupos políticos compraram, influenciou bastante. Deixei de vender para alguém de esquerda, mas depois do segundo turno, eles passaram a vir atrás da camisa”, comenta.
Para ele, há ganhos dos dois lados. “Quem votou no PT e tal, agora me procuram querendo a camisa do Brasil”, afirma. Denis comenta que a cor mais vendida mudou depois do segundo turno. “Até o fim das eleições a procura da amarela estava em alta, mas agora, após as eleições, vejo que a azul teve uma crescente maior que a amarela”, reitera.
Ele espera que o Brasil fique mais tranquilo e retome o carinho pela camisa da Seleção. “Acho que o país fez a escolha, independente de lado político, agora está mais calmo, focado na Copa. Agora é trabalhar e focar no mundial, nenhum comprador chega falando de direita ou esquerda comigo mais”, pontua.
*Com informações de Band