Fotos de casamento

A bela “Retrato em branco e preto” (1968) de Tom Jobim e Chico Buarque se refere a situações vividas que, noutro momento, o protagonista busca experimentar novamente, consciente do resultado. Muitas de nossas memórias, são reavivadas pela observação de fotos antigas ou, às vezes, nem tanto, quando registramos fatos marcantes. Numa sequência evolutiva, tudo começou com pinturas; fotos em P&B, captadas em filmes de fita plástica, gelatina e haletos de prata; depois, coloridas, e ambas demandavam impressão para se obter a visualização. E de vez em quando alguma coisa dava errado…

Conheci minha esposa numa “sala de bate-papo”, do site Terra, no final do século passado. Era uma grande evolução. Pelo computador, internet discada, conversas por mensagens, sem quaisquer imagens, e preferencialmente após as 22 horas, porque as ligações, nesse horário, eram bem mais econômicas. E a interrupção era muito comum quando, como dizíamos, a ligação caia.

Para sabermos como o outro se parecia, líamos a autodescrição e, aguardávamos fotos pelos correios. Inimaginável para os dias de hoje. Funcionou. Algum tempo depois desses encontros virtuais, fui de BH a Goiânia para conhecer a então futura esposa. A satisfação da curiosidade recíproca foi grande. O encontro foi memorável. Tanto assim, que pouco tempo depois ficamos noivos e já fazíamos o trajeto entre os estados com frequência mensal.

O casamento foi marcado para dezembro, numa ginástica para conciliar o dia, pois havia o problema de evitar coincidência de datas, entre elas o aniversário dela e o Natal. Seria em Goiânia e caberia a elas os preparativos para o enlace. Ajudei muito pouco em todo esse processo, pois as longas viagens de ônibus causavam desconforto, especialmente nas pernas já escangalhadas pela paralisia infantil. Enquanto faço tais reminiscências, observo a disparidade entre as coisas a cada tempo; como a evolução da tecnologia ou a salvadora vacina contra a poliomielite. A diferença é em décadas, mas a sensação é de milênios.

Chegou o grande dia. Compramos uma máquina fotográfica “bonitinha” e dois rolos de filme. Apenas casamento civil e pequena recepção no salão de festas.

Próximos dos quarenta, a paixão transbordava impulsionada pelos hormônios em nível adolescente. A despeito de tratar-se de termo quase confidencial entre nós, ela se referiu a mim, brincalhona, como “aleijado tarado”. Como é que essa mulher maravilhosa se interessou por mim? Deve ser o mistério do arrebatamento.

Durante a festa, senti fortes dores e fui para o quarto. Ela subiu seguir e sugeriu que fôssemos para o hotel não muito longe, para a “noite de núpcias”. As dores aumentaram e tomaram o lugar da noiva.

Pela manhã, voltamos ao apartamento. Depois das prosas, foi me ver no quarto e me flagrou quase de ponta-cabeça. Tempos depois me disse ter imaginado que eu estava inventando alguma “nova posição”. Não era. Tentei me livrar da dor de diversas formas, inclusive essa. Fomos para o hospital e precisei de uma cirurgia de emergência: apendicite.

Foi bem turbulento. Sem lua de mel e nenhuma foto se salvou nos filmes que utilizamos.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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