F1: Dirigir Para Viver retorna com temporada de ausências e saídas
A abordagem de Fórmula 1: Dirigir Para Viver é completamente voltada ao drama, e disso todos sabemos. Ao entrar em seu quinto e impressionante ano como um produto nichado em um serviço de cancelamentos implacáveis, a Netflix não precisou fazer muito esforço já que, além da vitória fácil de Max Verstappen, da Red Bull, choro e ranger de dentes foi o que não faltou neste circo da velocidade.
Como sempre, a estreia deste ano cobre os eventos do anterior, com um olhar mais intimista sobre a competição da Fórmula 1 em 2022. Desta vez, e talvez mais do que nunca, Dirigir Para Viver soa como uma real “continuação” da temporada anterior, com os reflexos da decisão controversa da última corrida e do primeiro título do piloto neerlandês ainda estando bem perto no retrovisor.
Os holofotes iniciais, claro, se voltam a Verstappen, mas também Lewis Hamilton e Toto Wolff, respectivamente piloto e diretor da escuderia Mercedes. E a fala do sete vezes campeão sobre voltar para buscar o título que lhe foi tirado em 2021 é a grande marca deste início de temporada, ainda que, nem de longe, seu único foco.
É Wolff e Christian Horner, chefe de equipe da Red Bull, que protagonizam um dos momentos mais tensos e, de certo modo, inesperados da temporada 5 de Dirigir Para Viver. A discussão acalorada sobre os problemas com o carro no início da temporada geram um descontrole como poucos vistos na figura do líder das flechas prateadas e evidencia uma sensação de desconforto com a ideia de que os líderes anteriores, agora, podem estar bem longe do topo.
Desconforto, aliás, é a grande palavra de ordem em uma temporada mais do que nunca focada nas incertezas e mudanças no elenco da Fórmula 1. Enquanto no mundo real as transferências de pilotos só começam a ser assunto no segundo semestre, F1: Dirigir Para Viver traz esse sentimento de insegurança desde seus primeiros episódios.
Isso acontece tanto de forma direta, como no episódio sobre as dificuldades de Mick Schumacher a bordo de sua Haas, quando indiretamente, com Mattia Binotto, chefe de equipe da Ferrari, sendo um dos primeiros protagonistas.
Quem acompanhou a Fórmula 1 sabe o que aconteceu e os motivos por trás das decisões tomadas ao final de 2022; Dirigir Para Viver mostra, entretanto, que a tal “temporada boba” começa bem antes de as transferências de pilotos e executivos chegarem ao noticiário.
Esse, também, é um dos trunfos do seriado documental. Ao brincar com as figuras reais do esporte, a Netflix também provoca o próprio espectador que sabe o desfecho de todas aquelas histórias, criando ganchos e expectativas que fazem o documentário, muitas vezes, parecer uma ficção bem roteirizada. Em 2022, aliás, nem foi preciso muito esforço para conseguir isso.
Não dá, por exemplo, para não ter reação quando Otmar Szafnauer, da Alpine, fala do investimento milionário feito no piloto Oscar Piastri, ou toda vez que vemos a preocupação e a busca do sempre sorridente Daniel Ricciardo. Acima de tudo isso, ficaram para trás também os criticados sensacionalismos das temporadas anteriores, com estas e outras histórias simplesmente não exigindo que a produção tente subir artificialmente o tom do que aparece na tela.
“Efeito Netflix”
Fora das pessoas, o grande palco da quinta temporada de F1: Dirigir Para Viver é, sem dúvida nenhuma, o Grande Prêmio de Miami, nos Estados Unidos. São nada menos do que quatro episódios com ênfase nos eventos da corrida americana, que nem de longe foi uma das melhores da temporada, mas que sem dúvida nenhuma evidencia o clima de diversão e competitividade que foi evidenciado pela produção desde seu início, com reflexos claros no esporte.
A edição chama a atenção, com a quinta temporada mais uma vez assumindo a dinâmica de ir e voltar entre provas e momentos para contar histórias com começo, meio e fim. Novamente, o seriado não deseja ser um resumo das corridas ou uma listagem de resultados, mas desta vez o vai e vem entre eventos ocorridos em equipes diferentes na mesma prova não causa a estranheza dos anos anteriores, com um cuidado mais apurado com esta cronologia “fora de ordem”.
Há, entretanto, o que se criticar nesse quesito, com uma estranha variação de taxas de quadro por segundo nas imagens, principalmente dos três primeiros episódios. Em televisores de maior resolução, é possível perceber essa diferença entre imagens capturadas da corrida, do pit wall e os depoimentos dos pilotos, gravados de forma mais cinematográfica — um reflexo, provavelmente, das diferentes fontes usadas na composição dos capítulos, entre gravações da própria Netflix e imagens oficiais da Fórmula 1.
O que faltou em aspecto técnico, entretanto, mais do que sobrou na abordagem, com o serviço de streaming mostrando que sabe muito bem o que agrada seu público. Isso se reflete, principalmente, na figura de Günther Steiner, chefe da equipe Haas, que se torna o mais próximo que temos de um protagonista em Dirigir Para Viver.
É ele quem abre o quinto ano da série e o episódio focado em sua equipe aparece logo no início. É por causa dele que a troca agressiva entre Wolff e Horner ganha contornos ainda mais interessantes e, em alguns momentos, existem até certos exageros, com aparições dele em momentos nos quais ele nem mesmo está envolvido. Mas não dá para reclamar muito, já que estamos falando de uma das figuras mais peculiares e da equipe com algumas das histórias mais fortes dos últimos anos de Fórmula 1.
Yuki Tsunoda, da Alpha Tauri, é outro queridinho do público a ganhar bastante espaço, assim como o próprio Ricciardo. Os comentários da produção de que Dirigir Para Viver simplesmente não existiria sem o ex-piloto da McLaren se refletem em um episódio tocante que serve quase como um tributo à carreira do atleta que configura um dos pontos altos da temporada.
Eles não ligam para a gente
Na contramão desse cuidado, porém, chega a ser inexplicável perceber que, por mais um ano consecutivo, o Grande Prêmio do Brasil mal aparece. O Autódromo de Interlagos é um favorito absoluto dos pilotos e sediou alguns dos momentos mais icônicos do esporte, isso sem falar dos momentos eletrizantes que aconteceram por aqui ao longo dos últimos anos. Para Dirigir Para Viver, entretanto, é como se nada tivesse acontecido.
Da mesma forma que a mágica feita por Hamilton em São Paulo na corrida de 2021 não apareceu, também ficou de fora da temporada a primeira vitória de George Russell, da Mercedes, e um grande acontecimento de fora das pistas, com o heptacampeão recebendo o título honorário de cidadão brasileiro pela Câmara dos Deputados justamentre pelos feitos do ano anterior.
Isso sem falar, claro, da pole position de Kevin Magnussen, da Haas, que, esperamos, sirva como alerta para que a Netflix preste mais atenção na prova de Interlagos nos próximos anos.
Igualmente inexplicável, ainda, é a falta de um tributo devido a Sebastian Vettel, tetracampeão da Fórmula 1 que encerrou sua carreira em 2022, correndo pela Aston Martin. A verdade é que ele mal aparece na série, com o grande (e merecido) tributo a Ricciardo deixando um gosto estranho quando o mesmo tratamento não é concedido ao piloto alemão — ele, sim, está se aposentando, ao contrário do colega, que deixa clara sua intenção de retornar à categoria e possuindo todas as possibilidades de conseguir isso no ano que vem.
Seja por falta de braço para cobrir todos os aspectos da Fórmula 1 ou decisões equivocadas de roteiro, as falhas evidenciam algumas lacunas que os fãs, há alguns anos, pedem que a Netflix preencha. São erros que maculam o potencial criativo de Dirigir Para Viver e que poderiam tornar um produto que já é altamente apreciado e bem-sucedido em um documento ainda melhor sobre a categoria.
Vale a pena assistir à temporada 5 de Fórmula 1: Dirigir Para Viver?
Apesar dos deslizes claros e inexplicáveis, o novo ano da produção da Netflix apresenta algumas das histórias mais interessantes de toda a sua jornada. Parece, também, ser o momento mais confortável da produção nos últimos cinco anos, com um roteiro bem desenhado e conexões interessantes, além de dramas do mundo real que fizeram a alegria de seus realizadores.
Os brasileiros e os fãs de Vettel vão se unir nas lamentações e reclamações sobre a ausência de Interlagos e do ídolo na temporada, enquanto a edição acertada e o foco nos personagens acerta demais nos elementos que são efetivamente mostrados. Há muito caminho para melhorar, principalmente no que toca a abrangência da série, mas aqui estamos falando de aprimorar ainda mais um produto que, há anos, já é muito bom e demonstra uma crescente de qualidade.
*Com informações de Canal Tech