Em 2021, bissexuais estão por todo lado na cultura pop – mas para onde eles vão?
Representatividade bi vive momento de destaque, mas a questão persiste: estão contando nossas histórias?
Loki, personagem título de uma das séries de TV mais badaladas de 2021, é bissexual. Robin (Tim Drake), um dos heróis mais famosos da DC, também. Rosa Diaz, queridinha dos fãs de Brooklyn Nine-Nine, que terminou este ano com o estrondo esperado para uma das sitcoms mais amadas da atualidade, idem. Nathan, um dos protagonistas de Genera+ion, que apesar de cancelada mexeu com o público jovem durante sua única temporada, é outro bissexual assumido.
Se incluirmos o mundo da música nessa lista, vale lembrar que 2021 foi o ano em que Luísa Sonza, uma das grandes forças do pop nacional, se assumiu bi. O mesmo fizeram nomes de Hollywood, como Jack Dylan Grazer, Demi Lovato e Mae Whitman. Esticando um pouquinho nossos limites temporais, podemos até citar o Senhor das Estrelas dos quadrinhos de Guardiões da Galáxia, que revelou a sua bissexualidade em meados de dezembro de 2020.
Como dá para ver, foi difícil “fugir” da bissexualidade se você consumiu cultura pop este ano – e há algo de inegavelmente positivo nesse simples fato. Uma das maiores e mais duras lutas que a comunidade bi enfrenta é por visibilidade, diante do apagamento que vem de fora e de dentro da comunidade LGBTQIA+. A ideia falsa de que mulheres bissexuais são na verdade mulheres héteros “curiosas”, e que homens bissexuais são homens gays “que não estão prontos para sair do armário” não deixa espaço social para a existência do bissexual.
A ficção, como espelho crucial da realidade e elemento de influência social, ajuda a criar esse espaço ao afirmar, dar respaldo, à simples realidade da bissexualidade. É importante, no entanto, notar que a dignidade humana do indivíduo bissexual presume mais do que o mínimo, mais do que o respeito à sua existência. É importante entender o quanto cada um desses personagens da cultura pop representa, ou falha em representar, uma comunidade faminta por representação.
O caso de Loki é simbólico. Dez anos depois de introduzi-lo na franquia, o MCU confirmou a bissexualidade do deus da trapaça com um diálogo simples e de tom acertado, sem sombra de zombaria ou insinceridade, que não deixava espaço para que as palavras dele fossem questionadas, levadas como brincadeira ou enganação. No Twitter, a diretora Kate Herron deu a entender que lutou para manter o momento no episódio, o que era importante para ela porque também se identificava como bissexual.
O esforço da cineasta deve ser apreciado, mas sublinha um problema recorrente: a confinação da bissexualidade de alguns personagens da cultura pop a declarações, ao invés de vivências, por insistência de estúdios e executivos. Reza a lenda que a ideia original do roteirista Michael Waldron para Loki incluía muitos outros momentos que enfatizavam a bissexualidade do protagonista, incluindo cenas que implicavam – sem mostrar, afinal, essa é a Disney! – sexo com personagens de vários gêneros (e até espécies). Mas, mesmo se não quisesse deixar nenhum vestígio de sexo em sua série, a Marvel ainda podia ter feito mais com a sexualidade de Loki.
Como eu argumentei já na semana da “saída do armário” do personagem, a sexualidade não é um elemento da vida de alguém que entra em jogo apenas na cama. Você provavelmente sabe da sexualidade dos seus amigos, e até de algumas pessoas que conhece casualmente, mesmo que nunca tenha transado com elas. A vivência bissexual inclui muitos momentos em que essa identidade faz diferença, de uma conversa casual sobre uma história do passado a uma discussão sobre cultura pop, passando pela forma como o indivíduo se coloca no trabalho, na vida familiar, na roda de amigos.
Não é que a sexualidade seja tudo, ou defina inteiramente uma pessoa – é só que ela naturalmente surge como uma parte de quem a pessoa é, especialmente se ela não está tentando esconder isso. Não é o que acontece na primeira temporada de Loki, e é difícil acreditar que isso vá mudar no segundo ano, tendo em vista a saída de Kate Herron e o histórico do MCU com questões LGBTQIA+… mas o tempo (e Eternos) pode nos provar errados nessa.
Tanto Genera+ion quanto Brooklyn Nine-Nine faziam melhor nesse sentido. Ainda que nem sempre escapassem de narrativas nocivas e falsas (o bissexual como mais propenso à traição, por exemplo), elas não tinham medo de trazer à tona ou mesmo centrar a sexualidade de seus personagens bi quando era preciso, ou quando parecia natural. Mas, seja por cancelamento precoce ou por finalização no tempo certo, nenhuma das duas está mais no ar, e suas sucessoras nesse quesito de representatividade não estão imediatamente claras.
Assim, dos grandes “momentos bis” da cultura pop em 2021, nos restam os de carne e osso – e é sempre uma enorme ajuda quando celebridades se assumem, modelando uma existência bissexual nos holofotes para jovens que estejam descobrindo sua identidade e dando um rosto público a uma sexualidade tão apagada – e os de papel. E é interessante notar o quanto os quadrinhos, com suas narrativas em arcos que se arrastam por meses e reformulações constantes de personagens, se prestam bem a contar uma história bi.
No modelo de publicação das grandes editoras americanas, como a Marvel e a DC, é “fácil” trazer uma narrativa como a do Robin, que encontra a realização de sua bissexualidade um pouco mais tarde na vida, como muitos bis de verdade. E aí se abre a oportunidade de, nas edições seguintes da história, explorar como essa realização impacta os relacionamentos do personagem, amorosos ou não, e mostrar o efeito liberador de se entender e se aceitar como se é. Menos presa a mercados estrangeiros e menos influenciada por demandas conservadoras, a indústria das HQs tem aproveitado esse espaço melhor que qualquer outra.
23 de setembro, muitas vezes chamado de dia da visibilidade bissexual ou do orgulho bissexual, é na verdade, oficialmente, o dia da celebração bissexual – título dado originalmente à data pelos ativistas americanos que o fundaram, em 1990. É um bom recado para estúdios e emissoras que queiram nos representar: mostrar que existimos é pouco diante da necessidade urgente de celebrar quem somos.
*Com informações do Omelete.