Dia Nacional da Visibilidade Lésbica: quanto o feminismo tem pensado as pautas das mulheres lésbicas?
“No geral, existe um apagamento histórico das lésbicas, e isso nos atinge até hoje. Muitas feministas heterossexuais esquecem da luta lésbica e não querem se associar a lesbianidade”, diz a psicóloga Alaine Santana
Neste domingo, 29, foi celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Apesar de avanços significativos dentro do feminismo e das pautas LGBTQIA+, ainda precisamos discutir as nuances de algumas questões fundamentais para as mulheres lésbicas e bissexuais do Brasil. Conversamos com a psicóloga Alaine Santana para discutir a temática e como ela está atravessada na sociedade hoje. Aliás, ela é uma das convidadas do Instagram, junto com Cris Rozeira, Bruna Linzmeyer, Gabriela Hebling e Gabô Pantaleão, para bater um papo necessário sobre as interseccionalidades da mulher lésbica.
Feminismo e interseccionalidade
E é justamente por aí que começamos essa conversa com Alaine. “O feminismo é importante para a luta das mulheres, sim, mas ele ainda é muito voltado para um viés heterossexual – para aquela mulher, que se relaciona com homem, branca, e na maioria das vezes de classe média”, reflete Alaine que é psicóloga e dona do perfil @lesbicanegraecaminhao.
Esse vácuo fica ainda maior quando pensamos nas lésbicas que não seguem um “padrão de feminilidade”. “No geral, existe um apagamento histórico de lésbicas e isso nos atinge até hoje. Muitas feministas heterossexuais esquecem da luta lésbica e não querem se associar a lesbianidade. Audre Lorde foi uma norte-americana, lésbica negra, poeta e escritora, e um marco dentro do feminismo, mas ainda assim pouco se fala dela no feminismo negro. Ela diz que dentro da comunidade negra, ela é lésbica e dentro do feminismo, ela é negra. A interseccionalidade gosta desses recortes, quando não deveria ser assim. Não dá para discutir sobre a lesbianidade negra separada do fato de eu ser nordestina, por exemplo. Temos que parar de ter esse olhar único enquanto somos múltiplos”, diz.
Violência e saúde mental
Alaine lembra um estudo feito entre 2014 e 2017 no Brasil, chamado de “lesbocídio”, que aponta que a maioria dos assassinatos de lésbicas são de lésbicas negras e que não tem a feminilidade padrão. “A maioria desses crimes são realizados em São Paulo e os agentes diretos dessas mortes são os homens. É claro que isso impacta a nossa saúde mental. Quando a gente fala de suicídio, por exemplo – e que não deveria ser falado apenas no setembro amarelo – existe todo um contexto por trás”.
A psicóloga, no entanto, caiu da psicologia “sem querer”. Passou por faculdades de Letras, Educação Física e até cogitou o Direito. “No fim, escolhi seguir com a psicologia, mas com muito receio porque eu sabia que era uma área muito branca, tive muito medo de não ter um retorno. Até cheguei a desistir por um semestre, foi quando eu voltei e decidi começar a utilizar o Instagram para falar sobre saúde mental. A partir daí, as coisas foram acontecendo. Depois, cheguei à conclusão de como realmente é necessário uma psicóloga negra, lésbica e que fuja dos padrões da psicologia”, conta.
Identificação e representatividade
“Eu sinto que as pessoas, por causa do perfil, me procuram não porque eu sou criadora de conteúdo, me procuram porque eu sou sapatão e preta”, reflete Alaine – que atende em grande parte mulheres também lésbicas. “Eu compreendo melhor a situação delas. Até um tempo atrás as pessoas procuravam um profissional da psicologia de acordo com a sua abordagem (comportamental, psicanálise, etc), e isso ainda existem, mas hoje eu vejo mais buscas por psicólogas gordas, negras, lésbicas… Dentro da psicologia existe um termo muito usual, a empatia. Só que a empatia é muito melhor quando a gente está próxima da situação. Uma mulher branca e heterossexual pode até ter uma ideia do quanto uma negra lésbica sofre, é só uma ideia. É uma questão social, não depende de uma só pessoa mudar isso”, reflete.
Ainda são poucos os romances lésbicos na televisão e na literatura e a consequência disso é a falta de compreensão de muitas mulheres sobre a própria sexualidade. “Muitas entram em contato comigo sem entender o que está acontecendo e por quê? Porque vivemos em uma sociedade em que a heterossexualidade é compulsória. E as redes sociais trouxeram espaço para a gente falar sobre isso. Quando uma negra lésbica entra em contato comigo e diz que finalmente encontrou um texto que a contempla, eu sinto a sensação de que meu trabalho está sendo bem feito.”
“É extremamente importante que a gente tenha esses momentos para discutir nossas questões, afinal somos múltiplas, mas isso não pode acontecer só em agosto. Como se a gente existisse somente hoje e nos outros 11 meses não. Espero que, com o tempo, a gente discuta mais essas questões da lesbianidade dentro da sociedade”, finaliza Alaine. O conteúdo já está disponível no canal do IGTV da Cris Rozeira e tem também o apoio do projeto ELLA Brasil que luta pelos direitos e empoderamento das mulheres queers.
*Com informações da Glamour