Dependência
Coisa de mineiro: o exame estava marcado para 9h20m e a consulta, logo a seguir, às 10h00. Todavia, preocupado com o trânsito e a chuva que chegou depois de mais de 4 meses, saí de casa às 7h20min. A expectativa era de trânsito lento. E se cumpriu. Parece que muitas pessoas têm medo de dirigir
automóveis e então raramente o utilizam. No entanto, parece que têm mais medo de chuva e tiram seus carros da garagem para se aventurarem sob as precipitações que sucedem a estiagem. E é bem comum que a habilidade esteja enferrujada, o bom senso sonolento e a insegurança em polvorosa. Há também
o risco de problemas mecânicos dos chamados “carros de garagem”.
A tecnologia chegou para ficar, inclusive nos veículos, além de quase todas as áreas de atuação humana. Já se dispensa a ajuda de pedestres para procurar algum endereço. Há softwares sofisticados para isso. Inclusive podem indicar rotas alternativas quando há problemas nas vias. Existem programas para tanta
coisa que muitas vezes os controlar nos celulares, tabletes ou micros vem exigindo cada vez mais conhecimentos da área.
Cheguei ao endereço uma hora e meia antes do horário marcado. Duas pessoas que me precediam. – Será que elas tinham dormido ali? – Não era o caso. Apenas chegaram mais cedo e fiquei sabendo que uma delas era mineira como eu. Estava explicado. O primeiro horário de atendimento seria às oito horas, porém não havia ‘internet’. Dessa forma não poderiam preencher as fichas digitais dos pacientes; era impossível obter as autorizações dos Planos de Saúde; o acesso aos prontuários estava impedido; verificação dos exames anteriores era impraticável; mesmo aquela chamada automática, via monitor em frente aos guichés, pela ordem de chegada dos pacientes, levando-se em conta os casos específicos de prioridade não poderiam ocorrer.
Enquanto aguardávamos a “equipe de TI” solucionar o impasse, me mantive relativamente tranquilo ouvindo as lamentações de outros pacientes: “ – Eu tinha exame às oito, estou em jejum desde ontem”; “ – Tenho uma consulta longe daqui e preciso desse resultado para levar para o outro médico”; “Meu Deus!
Cheguei cedo e ninguém resolve nada! Isso só acontece comigo…”; entre outros do gênero.
O burburinho aumentava e eu pensava nas consultas que fazia quando criança. Saíamos do interior mineiro, Monlevade, para uma consulta em Belo Horizonte. Eram quatro horas de viagem numa jardineira modorrenta, cheirando a diesel e borracha de freios, com bancos duros e estreitos como um pão de forma. Não havia dados digitalizados, nem monitor para a fila. Mas havia uma moça bonita que já me conhecia e me agradava com um bombom. Um luxo para meados do século XX. Na fase infantil, de crescimento, eu precisava trocar o aparelho ortopédico que ainda uso nas pernas a cada ciclo.
Éramos atendidos com todo o carinho e atenção. Não que faltasse zelo e cuidado no atendimento de agora. As atendentes se esmeravam em tentar, gentilmente, justificar a impossibilidade de atendimento sem ‘internet’. Então, o que falta é atendimento e, claro, um plano de contingência.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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