Crítica Guardiões da Galáxia 3 │ Os dias de cão acabaram em grande estilo
A última cena de Guardiões da Galáxia Vol. 3 é bastante simbólica. A dança dos personagens ao som de Dog Days Are Over representa tanto o fim da história que o longa apresenta, faz uma belíssima homenagem àquilo que os personagens representaram para todo o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês) como também é um grande grito de liberdade do diretor James Gunn, que finalmente se vê livre de todas as amarras que esse universo compartilhado impõe.
O filme que marca a despedida desse grupo disfuncional de super-heróis tem uma rara oportunidade dentro do MCU: contar uma história isolada que não precisa se preocupar com eventuais sequências ou apresentar conexões com a grande saga do momento. Livre dessas obrigações, ele pode desenvolver e aprofundar cada um de seus personagens, trazendo o fechamento ideal para o arco do grupo iniciado em 2014.
E Gunn sabe aproveitar isso muito bem. Afinal, ele próprio está de saída da Marvel e não precisa mais lidar com toda essa responsabilidade de criar pontes e conectar filmes. Graças a isso, seus dias de cão chegaram ao fim e ele pode fazer com Guardiões da Galáxia 3 aquilo que ele realmente queria: um encerramento digno para essa família.
Livre, leve e solto
Não é difícil notar o quanto estar livre das correntes do MCU faz bem para o filme como um todo. Suas duas horas e meia de duração são dedicadas a um roteiro feito, pensado e executado em torno de seus personagens e apenas eles. Sem precisar perder tempo com ligações e vínculos com o futuro, o que importa é o aqui e o agora.
E há tempo de sobra para tudo isso, seja para desenvolver novas tramas como também para encerrar aquelas que já estavam em andamento desde os longas anteriores. No fim das contas, todo mundo tem seu momento em Guardiões 3 e, o que é mais importante, consegue encontrar uma conclusão digna para sua jornada.
O grande destaque é o próprio Rocket (Bradley Cooper). Do elenco principal, ele havia sido o único que ainda não teve sua história apresentada de verdade, com apenas alguns acenos aqui e ali. E Gunn usa muito bem a máxima do cinema de não maltratar o pet para fazer desse background um dos pontos altos do filme.
Não apenas por ser bem emotiva, mas por servir de base para o argumento geral da trama. A trajetória sofrida do guaxinim fundamenta o fio condutor que permeia os arcos narrativos de toda a equipe. Mais do que nos longas anteriores, Guardiões da Galáxia 3 é sobre família — mais especificamente sobre aquela que construímos com as pessoas que amamos.
Por isso mesmo, cada um dos personagens vai se deparar com essa verdade em algum momento — e as conclusões disso é que torna o longa tão interessante. Há um retorno à ideia de que os vínculos de amizade podem ser mais fortes do que os de sangue que faz muito sentido dentro desse clima de despedida, mas sem ignorar o fato de que, em muitos momentos, também é preciso seguir sozinho para encontrar aquilo que se busca.
Nesse ponto, o roteiro é realmente muito bom, pois consegue conduzir todo o elenco em diferentes direções a partir do mesmo discurso. Ao mesmo em que Rocket entende que seu criador não dita quem ele é e tampouco está ali pelo seu bem-estar — da mesma forma com que aconteceu com Nebulosa (Karen Gillan) e Mantis (Pom Klementieff) no passado —, ao mesmo tempo em que Drax (Dave Bautista) encontra uma razão para sua existência depois de tudo pelo que passou.
Como dito, Guardiões da Galáxia 3 encontra espaço para desenvolver, aprofundar e arrematar a história de cada um dos seus personagens. Levando em conta o histórico recente da Marvel, é algo bem raro e que só mostra o quanto a liberdade é o melhor aliado para a construção de boas tramas.
Perfeitos na sua imperfeição
Há outro tema muito forte em Guardiões da Galáxia 3 e que vem para reforçar essa ideia de família que vem sendo construída ao longo de toda essa trilogia — a noção de acolhimento de nossas próprias imperfeições.
O que tornou a equipe um dos nomes mais queridos do MCU foi justamente o fato de eles serem heróis imperfeitos. O conceito do grupo disfuncional não é novo, mas é no fato de cada um dos membros ser falho é que faz deles tão carismáticos. E o filme amarra isso muito bem ao trazer um vilão que se opõe a essa lógica.
É por isso que, mesmo sendo desconhecido do público, o Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji) funciona tão bem. Pouco importa sua origem nos quadrinhos ou coisa do tipo: o que é realmente relevante é sua busca por uma perfeição utópica, o que contrasta com a imperfeição do que são os Guardiões como um todo.
Na trama, isso fica evidente na história do próprio Rocket. O guaxinim é usado como parte de um experimento do vilão e está destinado a ser descartado por não ser perfeito como se esperava. Mas o longa traz esse mesmo argumento de forma mais sutil no já elogiado de todo o time.
Há um diálogo entre Nebulosa, Mantis e Drax que sintetiza isso muito bem, destacando que o que os torna uma equipe não são as capacidades de cada um, mas o que fazem apesar de suas incapacidades. E o roteiro sabe explorar isso muito bem e fazer com que o espectador sinta o quanto essas imperfeições são o que há de melhor em cada um deles.
Destaque nesse sentido para o próprio Iwuji. O ator tinha entregado um papel sem grandes momentos em Pacificador, mas conseguiu incorporar um grande vilão em Guardiões da Galáxia 3. Imponente e realmente ameaçador, ele é aquilo que a gente esperava ter visto em Kang em Homem-Formiga 3.
O dedo da Marvel
Se a liberdade que James Gunn teve para trabalhar em sua história foi o ponto alto da despedida dos Guardiões, os pontos em que a Marvel colocou seu dedo se tornam o grande calcanhar de Aquiles da obra. E é algo tão gritante que é evidente os momentos em que isso acontece.
Essa interferência, ainda que pontual, está representada em dois personagens específicos: Adam Warlock (Will Poulter) e Gamora (Zoe Saldaña). Eles são resquícios de histórias passadas do MCU que parecem ter sido inseridas à força aqui apenas para não deixar pontas soltas, mas que não se encaixam na trama que está sendo contada. Não por acaso, os dois estão sobrando imensamente.
Warlock é o mais evidente. Ele havia aparecido na cena pós-crédito de Guardiões 2 e, desde então, os fãs esperavam para ver como o Jesus da Marvel seria apresentado. E o resultado não poderia ser mais pífio. Ele não só surge do nada como parece não saber o que fazer quando isso acontece.
A coisa é tão jogada que ele literalmente cai do céu sem muita explicação na primeira cena do filme e desaparece por um bom tempo para ressurgir depois também sem grandes adições. O fato de você esquecer que ele está no longa é um sinal bem claro do quão avulsa é sua participação.
Isso porque, na verdade, ele é um personagem que não acrescenta em nada à história e está ali apenas para tapar o buraco que Guardiões 2 deixou. Sem qualquer exagero, Adam Warlock poderia ser substituído por uma pedra que não faria falta alguma.
Contudo, mais grave ainda é a participação de Gamora. A heroína morreu em Vingadores: Guerra Infinita e deram um jeito de trazê-la de volta em Ultimato. Só que fica claro que James Gunn não estava muito afim de trabalhar as consequências desse retorno. O resultado é que a alienígena verde também está bem deslocada.
Só que há um agravante: além de ela trazer uma trama que a gente já viu antes no primeiro Guardiões, a sua presença atrapalha o desenvolvimento de outros personagens. A evolução natural de Peter Quill (Chris Pratt) era ele ter que encarar o luto de verdade e amadurecer a partir dessa sequência de perdas em sua vida, mas trazer Gamora de volta o transforma no ex que não aceita o término do namoro.
O mesmo acontece com Nebulosa. A vilã-que-virou-mocinha tem um arco de transformação incrível ao longo de todos esses filmes e Guardiões da Galáxia 3 era o momento de a gente ver de verdade o quanto ela mudou e passou a encarar o time como a família que ela nunca teve com Thanos. Só que, com a chegada de Gamora, tudo isso é simplificado a algumas trocas de olhares e grunhidos que remetem àquilo que a assassina foi um dia.
Na medida certa
Ainda assim, Guardiões da Galáxia 3 é um grande acerto da Marvel e, principalmente, do próprio James Gunn. Mais do que esse grito de liberdade evidente, é uma carta aberta de amor a esses personagens que ele construiu quase do nada, dando a eles personalidades novas e fazendo com que fossem conhecidos e amados de um modo que os quadrinhos jamais conseguiram.
Por mais que o último capítulo da trilogia não alcance o charme e a personalidade do primeiro longa, o simples fato de essa história fechar tão bem o arco de seus personagens, respeitando seu desenvolvimento até aqui e dando conclusões dignas, já faz dele muito melhor do que a maioria das coisas que o MCU entregou nos últimos anos.
Ele é um filme que consegue se apresentar como algo a mais do que um simples produto, que é o grande problema dessa escala industrial que a Marvel adotou. Tanto que bastou tirar a mão pesada do universo compartilhado e deixar seu diretor livre para fazer o que queria para que tivéssemos um fechamento de ciclo que é todo coração. Um adeus mais do que digno para esses heróis que aprendemos a amar apesar (e por causa) de suas imperfeições.
Ao longo desses três filmes, James Gunn construiu uma bela família não só com os personagens, mas com os próprios atores. E embora seja muito triste dizer adeus para tudo isso, que pelo menos seja em grande estilo — e é isso o que temos aqui.
Os Guardiões, o elenco e o próprio Gunn vão fazer falta no MCU. Mas, pelo menos para eles, os dias de cão acabaram. Esperamos que, para nós, também e que o nível se mantenha assim.
Guardiões da Galáxia Vol. 3 está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil; garanta seu ingresso na Ingresso.com.
*Com informações de Canal Tech