CHUVA DE GAFANHOTOS
Morávamos em Ijuí, no Rio Grande do Sul, no ano de 1945, em plena II Guerra Mundial, numa modesta casinha incrustada num campo aberto. Nossa moradia, designada pelo Comandante do Batalhão de Cavalaria do 1º Exército, onde papai servia como Primeiro Tenente Médico, fazia parte de um conjunto de casas num tipo de vila, onde moravam os oficiais daquele batalhão.
Nós e a vizinhança cultivávamos hortaliças, legumes e frutas, como num quintal comunitário. Entre as casinhas não havia muros ou cercas, era um quintalzão, que se emendava num campo de futebol, onde a soldadesca praticava educação física e jogava umas peladas de vez em quando.
Era uma vidinha tranquila com troca de gentilezas entre as esposas dos oficiais que, quando havia tempo nos afazeres domésticos, jogavam buraco em duplas e se atualizavam com as fofocas da caserna. Próximo à vila havia um grande gramado onde, pelo menos duas vezes por ano, acampava um grupo de ciganos que, numa das vezes, roubaram nossos velocípedes e bicicletas, esquecidos nos jardins e no quintalzão. Lúcia, minha irmã, e eu ficamos penalizados, pois eram os nossos únicos brinquedos, além de pular corda, esconde/esconde, cabra-cega e pique. Lá a vida era tranquila e leve até que, num belo dia, correu a notícia de que se aproximava de Ijuí uma chuva de gafanhotos. Ficamos todos apavorados: O que será isto? De onde vem? Tem perigo pra gente?
Ninguém sabia nada e ficamos todos esperando a tal chuva esquisita. Até que um dia ela chegou mesmo.
Lembro-me de que a mamãe nos levou até a janela do quartinho dos fundos para curtirmos o medo do desconhecido. Era uma sombra negra no céu e, à medida em que ela se aproximava, aumentava o zumbido das asas dos bichos. Uma cena meio eletrizante. Ninguém sabia nada daquilo!
E o barulho foi aumentando, aumentando até que a nuvem negra pousou no campo de futebol e no quintalzão das hortaliças. Era um silêncio barulhento. A bicharada ficou por ali comendo, comendo e comendo até que, subitamente, como se tivessem recebido uma ordem, os predadores levantaram voo para um outro destino.
Sorrateiramente, cada um dos moradores foi abrindo a porta da cozinha e pondo a cara pra fora. O cenário era aterrador, não havia sobrado uma folha sequer da grama do campo, muito menos da bem cuidada horta e do pomar das nossas casas. Eles haviam comido tudo… t-u-d-o!
E a conversaria foi geral. O assunto rendeu papos homéricos, que, talvez, durem até hoje, quando os jornais noticiam sobre uma nova chuva de gafanhotos procedente da Argentina. Acho que foi de lá que a relatada também veio. Que medo!
Roberto Hermeto Brandão – advogado e professor aposentado
Email: robertohbrandao@gmail.com
Belo Horizonte, 24 de junho de 2020