Chemsex: jovens usam drogas para ‘turbinar’ sexo e testar limites do corpo
aulo*, 27, conheceu uma garota pelo Facebook e decidiu viajar de São Paulo ao interior do Paraná para vê-la. Ele achou que seria apenas um encontro casual. Acabou em suruba.
Ela o apresentou a “uma galera que curtia fazer um rolê regado a drogas”. Todos bissexuais — ou, pelo menos, abertos a isso. Curtiam a noite em um bar, até a hora de ir para o apartamento de um deles. Choque. “Era gigantesco, com uns dez colchões espalhados ao redor de uma mesa de centro”, lembra Paulo. “Se eu ainda não tinha certeza do que iria acontecer, naquele momento ficou um pouquinho óbvio.”
O aquecimento para a orgia começou com maconha. Até que alguém sacou uma droga inalante e, segundo Paulo, as coisas começaram a ficar meio turvas. “Acordei de manhã e vi aquela cena meio tragédia grega. Corpos jogados, drogas em cima da mesa e aquele sentimento de ‘socorro, o que estou fazendo da minha vida’?”
Maratonistas sexuais
Paulo havia acabado de passar pela sua primeira experiência com “chemsex”, ou sexo turbinado por drogas. “Se for para classificar como boa ou ruim, eu diria que foi boa. Confusa pra cacete, mas boa”, esclarece.
Talvez você nunca tenha ouvido o termo (“chemsex” é “sexo químico”, em inglês). Governos de países como Espanha e Inglaterra, contudo, já o incorporaram como algo a ser acompanhado e, dependendo do caso, tratado.
O principal motivo para isso é a potência das substâncias ora envolvidas. Mefedrona, metanfetamina e GHB (ácido gama-hidroxibutírico) estão entre as drogas mais usadas na Europa. O uso delas aumenta, e muito, a capacidade dos usuários em “maratonar” no sexo e fazer coisas que não fariam sóbrios.
Uma rápida pesquisa na internet prova que a prática tem ganhado destaque na imprensa e em estudos científicos e de comportamento. Há diversas entradas sobre o assunto, e já existe até fórum para debatê-lo (European ChemSex Forum).
Todos curtem
O uso de substâncias para “ajudar” ou melhorar a performance sexual está longe de ser uma novidade. A diferença aqui é o objetivo envolvido: nele, você não usa drogas e eventualmente acaba transando. Você usa drogas com a finalidade específica de fazer sexo.
Na Europa, suas consequências negativas mais visíveis são dependência química e overdose. O fenômeno vem sendo documentado especialmente entre homens gays, que em vários países já se mobilizam para lidar com a questão. Mas associar esse grupo social à prática pode descambar para o preconceito e para uma leitura errada da situação.
“Não temos dados sobre o ‘chemsex’ no Brasil. Na Europa, porém, estudos mostram que a prática acontece tanto entre homens e mulheres cis e heterossexuais quanto na comunidade LGBTQIA+”, explica o psiquiatra e psicanalista Bruno Branquinho. “Há prevalência maior entre homens gays e bissexuais, mas não é uma diferença absurda.”
Elas estão aqui
Em seu consultório em São Paulo, Branquinho trabalha com foco na saúde mental da comunidade LGBTQIA+. Ele chama atenção para outra ideia preconcebida: a de que as drogas pesadas usadas na Europa não estão disponíveis no Brasil e por isso, aqui, a prática não é tão perigosa.
“O acesso às principais drogas usadas no ‘chemsex’ está muito mais fácil. A metanfetamina, que antigamente era bem difícil de encontrar, hoje é muito usada. É o mesmo caso do GHB”, diz o psiquiatra. “Você encontra a droga em qualquer aplicativo e com qualquer traficante.”
Uma reportagem publicada no TAB no fim de maio mostrou que, de fato, drogas antes alienígenas para os brasileiros já chegaram ao país. Quinta-feira passada (24), uma ação policial desmontou um laboratório de produção de metanfetamina ao lado de uma famosa balada sertaneja paulistana.
Por “encontrar no aplicativo”, Branquinho se refere aos símbolos que, nos apps de paquera, indicam que a pessoa está em busca de sexo químico. O psiquiatra esclarece: emojis de raio e floco de neve são referências à cocaína. A explosão é para poppers (os nitritos anti-hipertensivos, drogas inaláveis que são uma espécie de versão turbinada do lança-perfume). Aliança e diamante são usados para metanfetaminas. Chave e aquela gotinha de água referem-se aos anestésicos “key” (de ketamina, ou cetamina) e “gi” (o GHB). E o foguete é “slam”, ou metanfetamina injetável.
“Pela minha prática, já existe um problema no Brasil. Muitos pacientes me procuram porque não conseguem mais transar sem usar drogas, gastam muito dinheiro com elas e passam dias e dias transando sem parar. Ficam dois, três dias sem comer, sem beber água e sem tomar seus remédios”, diz Branquinho.
Tudo começou no sofá
Ecstasy, lisérgicos em geral como cogumelos e LSD, anfetaminas e poppers estão entre as drogas que Paulo já usou enquanto transava. O bufê tóxico-transante, apesar de variado, ainda é um tanto distante do ofertado na Europa. Seu histórico com o sexo químico é parecido com o de Vini*, também de São Paulo.
“Sim. Foi neste sábado, inclusive!”, responde o rapaz de 29 anos quando perguntado se já aguentou muitas horas seguidas de sexo sob o efeito de psicotrópicos. “Eu tenho duas namoradas e foi basicamente isso. A gente só não prolongou mais [o sexo] porque perderíamos a praia.”
Vini já usou cocaína, ácido, cogumelo, MD, ecstasy e poppers em suas transas. “Estimulantes como cocaína e poppers vão te dar um gás, mas eu sou muito mais fã dos lisérgicos”, explica. “Gosto da psicodelia porque ela traz uma questão mais sinestésica para o sexo. É a música que está tocando, a sensação que você tem ali na hora, que é totalmente diferente. Você descobre outra forma de fazer sexo que não necessariamente envolva penetração. Só o toque, só de você estar ali se esfregando já é um barato.”
Ele se define como pansexual e conta que sua primeira experiência do tipo aconteceu em 2015. “Eu estava ficando com uma menina e o pessoal que morava comigo comprou MD. Começamos a tomar até que ficamos sozinhos na sala e transamos enquanto eles saíram para dar um rolê. Quando voltaram, estava a gente lá no sofá…”.
Redução de danos
Paulo e Vini já tiveram seus maus momentos, mas falam sobre o assunto de forma clara e responsável. Estigmatizar práticas que envolvem drogas nos leva tão longe quanto um pássaro atado a um botijão de gás.
A diferença objetiva entre um homem gay que tem uma overdose em uma sauna em Londres e um heterossexual em busca de sexo que entra em coma alcoólico na Festa do Peão de Barretos é muito pequena — quiçá, inexistente.
Inclusive nos riscos de alguém se aproveitar dos sentidos em ebulição para cometer violência sexual. “Quem disser que não rola risco [de abuso sexual] está mentindo. A pessoa apaga e é abusada. Por isso, usar drogas para transar requer consentimento antes, durante e depois do sexo”, diz Paulo. “Esse ‘durante’ às vezes fica uma coisa meio nebulosa, porque a pessoa está muito entorpecida. Por isso, escolhi fazer com pessoas que confio.”
Paulo conta que já extrapolou, e já esteve com pessoas que extrapolaram, no consumo de drogas durante o “chemsex”. “Tem que parar e falar que a pessoa não está legal, que é preciso dar uma segurada. Tenho consciência de que esses abusos acontecem. Principalmente com gente mais nova, sem tanta experiência. Eles são coagidos a fazer certas coisas”, conta. “Tenho o privilégio do meu porte. Peso quase 100 quilos, então nunca conseguiram abusar de mim. Mas já houve tentativas e já presenciei pessoas que claramente não estavam em condições de estar ali.”
Vini diz que ele próprio já sofreu abuso. Foi em uma relação heterossexual, e com uma pessoa próxima. A droga envolvida era cocaína. Justamente aquela que tanto ele quanto Paulo não recomendam para a prática do sexo químico. “Pode ser interessante para quem vai fazer o papel de passivo. Mas, para quem precisa bombear o sangue para o pênis, fica um pouquinho mais complicado”, diz Vini.
A dica serve também em relação ao álcool. Não existe um manual de instruções para o “chemsex”, mas, como muita gente sabe, bebidas alcoólicas podem potencializar o efeito de outras drogas e têm uma capacidade de te deixar dopado e vulnerável por vezes maior que outras substâncias.
“Não adianta falarmos apenas ‘não use drogas’. Já vimos que não funciona. É preciso fornecer informações para que, caso a pessoa opte por usar, consiga reduzir os riscos e danos”, argumenta Bruno Branquinho.
“Minhas dicas são: faça com alguém em quem você confie. Em um ambiente controlado, com uma substância que você já usou em outras circunstâncias. Tome cuidado se for misturá-las. Tenha tudo ao alcance da mão, como camisinhas. Compre sempre do mesmo fornecedor. Alimente-se bem durante o dia. É preciso se preparar para o momento”, diz Vini.
* nomes trocados a pedido dos entrevistados
*Com informações do Tab