Canta, Mocidade
Em 1985 um dos sambas que mais me emocionaram foi o da maravilhosa Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel. A música, Ziriguidum 2001 – Carnaval nas Estrelas, buscava projetar um futuro imaginado a partir dos avanços tecnológicos e de todas as preocupações com a proximidade do novo milênio. Foi a partir desse tempo que meu coração, folião de primeira, adotou esta escola.
“Quero ser a pioneira / A erguer minha bandeira / E plantar minha raiz”, era o refrão do contagiante samba que nos envolvia e parecia querer nos arrastar, não só para a avenida, como também para 2001, o primeiro ano do terceiro milênio, com graça, energia e pulsante alegria.
Samba no pé, nunca tive. Apenas no peito forte entre os braços erguidos que se balançam ao som dos surdos e tamborins, no ritmo vibrante da voz de Ney Vianna. A partir de então, a Mocidade se tornou a Escola de paixão. Assim como a Portela, como um rio, passou na vida de alguns, a Verde e Branco se instalou nesta vida do interior mineiro. Um jovem PcD que não samba, mas que aprendeu quase todas as letras e, com voz grave e forte, canta forte no banheiro e nos churrascos com amigos, sem qualquer pretensão profissional, mas com a emoção que o amor empresta àqueles que nos apaixonamos pelo samba.
Essa grande festa, sensação mundial pelos desfiles do Rio e também pelas deliciosas festas Brasil afora, como Salvador, Recife, Ouro Preto, Mariana, Nova Lima, São Paulo, entre outros, espantam a indiferença.
No bairro Santa Tereza, em BH, acompanhávamos um bloco cheio de ginga e malemolência, numa alegria juvenil incontida. Enquanto os amigos saiam e dançavam felizes, como todos nós, em busca de um amor eterno que durasse por, pelo menos, aquela tarde-noite, eu me mantinha sentado, numa dança de tronco, braços e mãos, iluminados por um enorme sorriso. A voz potente, coroada por conhecer as letras das melodias ali executadas, daquela vez funcionou. Chamou a atenção de uma moça morena, muito bonita, cabelos cacheados boca e unhas vermelhas, fantasiada de havaiana. Ela se aproximou e perguntou se eu seria cantor. Além de comemorar a sorte da aproximação, fiquei super orgulhoso que alguém pensasse que eu poderia ter o dom. Convidei-a a sentar-se comigo. Tivemos uma conversa fluida, sobre trabalho, interesses, carnaval e, naturalmente, sambas. Muitos risos, beijos fugazes e olhares cheios de promessas. Até que ela, reconhecendo uma música de que gostava muito, sugeriu que fossemos para o meio do bloco dançar. Disse a ela que não poderia e as razões. Foi um baque. Ela se desculpou como se tivesse cometido alguma indelicadeza quando convidou. Expliquei que não havia qualquer razão para se desculpar. Ela se levantou dizendo que voltaria em seguida. Deve ter errado o caminho, pois nunca mais a vi.
Fazendo uma analogia, lembrava da marcha O Conde(1969), de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, grande sucesso na voz de Jair Rodrigues: “…além do mais, sambista até morrer eu sou…”. Adeus, minha bela havaiana.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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3 Comments
O carnaval é festa, e como você mesmo disse Mário Sérgio, é fugaz. Você com sua alegria contagiante se faz presente no coração e na mente de tantas pessoas. Sua capacidade de escrever sobre as dificuldades enfrentadas como PcD de forma leve, porém séria e educativa, nos faz repensar sobre nosso olhar diante das diferenças.
Mário, meu amigo, bom dia! Que texto maravilhoso! Sua escrita tem o poder de transportar a gente no tempo e no espaço, fazendo sentir o pulsar do samba no peito e a energia contagiante do carnaval. Sua paixão pela Mocidade e pelo samba é inspiradora, e a forma como você compartilha essa vivência, misturando nostalgia, emoção e poesia, é simplesmente cativante. Além de tudo, você tem um talento incrível para contar histórias — daquelas que a gente lê com um sorriso no rosto e um aperto no coração. Se um dia a bela havaiana não encontrou o caminho de volta, tenha certeza de que sua voz e seu amor pelo samba continuam ecoando, deixando marcas por onde passam.
Ahhh o carnaval, de varias histórias, varias fantasias e muitos amores.
Época de paixões, musicas, foliões e alegria.
Grande texto e excelente forma de colocar as palavras a bailar, viva a Mocidade, viva Mario Sérgio