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CANIBALISMO NA EUROPA: DE PRÁTICA HEROICA A BÁRBARA

Uma dos tabus mais sagrados e controversos da humanidade, a prática do canibalismo hoje está associada à violência, loucura e a uma imagem maníaca. Porém, durante a Idade Média, a prática já foi celebrada por sua suposta ferocidade e utilidade.

No romance Ricardo Coração de Leão, um relato ficcional da vida do rei da Inglaterra Ricardo I, a comida que o monarca precisaria para se recuperar quando adoece seria a carne de porco. Com os rumores de que os sarracenos (árabes e muçulmanos) tinham gosto de porco, seus homens cozinharam e alimentaram-no com carne humana sem ele saber.

Ao exigir a cabeça do porco que acabou de comer, os cozinheiros apareceram com uma cabeça humana, e a reação de Ricardo I foi rir. Além do triunfo cristão sobre esse povo considerado bárbaro e desviado, o rei disse que seus homens não passariam mais fome. 

De repente, a prática canibal se tornou um costume em sua casa — e também uma obrigação.

Na antiguidade

(Fonte: Spiegel/Reprodução)

Em novembro de 1098, as tropas do conde Raimundo VI de Toulouse tomaram a cidade síria de M’arra em um cerco sangrento que empilhou centenas de cadáveres de sarracenos. Para manter a cidade protegida, ele deixou um contingente de soldados que sofreram com a falta de abastecimento na região montanhosa. 

Com comida insuficiente, os cristãos comeram com gosto os corpos apodrecidos dos sarracenos jogados nos pântanos há duas ou três semanas. Além disso, os homens rasgaram os cadáveres em busca de besantes (moedas de ouro) escondidas nas entranhas.

Esse comportamento manchou a história da Primeira Cruzada, que deveria ser um “grande épico europeu” comemorado pela sociedade como a “vitória cristã”, porém eles precisaram lidar com a atitude controversa dos soldados em M’arra. 

Naquela época, o canibalismo não se encaixava mais na autoimagem cultuada pelos europeus, que consideravam canibais as bruxas, judeus, selvagens, orientais e pagãos — muito diferente do que enxergavam na época medieval, em que os heróis militares canibais eram vistos como “grandes avatares de força”.

Indo mais longe em como o canibalismo tem participação antiga na história da Europa, em um artigo da Science de 1999, paleontologistas franceses relataram que ossos de 100 mil anos de seis vítimas de neandertais encontrados em uma caverna chamada Moula-Guercy, foram quebrados por outros primitivos para extrair a medula e o cérebros. Além disso, marcas de ferramentas na mandíbula e no fêmur sugeriram que a carne da língua e da coxa foram cortadas para consumo.

(Fonte: Open Democracy/Reprodução)

Na última década, os pesquisadores relataram outras evidências de que os neandertais continuaram comendo uns aos outros até pouco antes de sua extinção. Na caverna El Sidrón, na Espanha, paleontólogos descobriram que uma família de 12 pessoas foi desmembrada, esfolada e depois comida por outros neandertais há 50 mil anos.

Segundo o historiador Jay Rubenstain, da Universidade do Tennessee, muitos documentos religiosos e históricos do século XI indicam que o canibalismo já era uma prática comum na modernidade, principalmente nos mercados ingleses de carne durante tempos de fome extrema na Europa.

Chegando no século XVI, comer gente não fazia apenas parte do extenso histórico europeu, mas também se tornou comum na medicina.

Na modernidade

(Fonte: Horror Bazar/Reprodução)

Na virada do século XXI, em 2001, o técnico em informática Armin Meiwes, morador solitário do norte da Alemanha, fez um anúncio online: ele queria participar de um ato sexual em que o homem solicitado deveria estar disposto a ser morto e comido.

A 320 quilômetros de Berlim, um engenheiro chamado Bernd Brandes atendeu o chamado de Meiwes e viajou até sua casa na fazenda. Tudo foi documentado em um vídeo sangrento encontrado pela polícia, envolvendo a participação consensual de Brandes no jantar canibal do começo ao fim.

Em uma época em que o mundo fervia com os recentes casos de Andrei Chikatilo e Jeffrey Dahmer, o canibalismo chocou o público alemão, levando a um problema judicial para os promotores que queriam acusar Meiwes de um crime.

(Fonte: Caixa de Pesadelos/Reprodução)

No entanto, a prática não é tipificada ilegal no extenso código penal alemão, visto que, até aquele caso, as leis contra homicídio eram suficientes para cobrir o canibalismo. Se Brandes ofereceu sua própria vida, como Meiwes poderia ser acusado de assassinato?

Por causa disso, o técnico de informática foi considerado culpado por suicídio assistido e condenado a 8 anos de prisão. Contudo, a sentença foi revogada pelo clamor público e midiático, que levou a um novo julgamento em que Meiwes foi considerado culpado de matar por prazer sexual, recebendo prisão perpétua.

Talvez o canibalismo seja um dos poucos aspectos no imaginário popular em que o eurocentrismo não fala mais alto, isso porque a palavra entrou pela primeira vez na língua inglesa no século XVI através dos colonizadores espanhóis que descreveram o que eles viram os povos indígenas das ilhas caribenhas fazer.

*Com informações do Mega Curioso

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