Brechó está na moda, mas o brasileiro não está preparado para essa conversa
Por Fabrício Carpinejar
É impressionante o número de brechós em Minas Gerais. Brechós chiques. Brechós de marcas. Brechós que você nem percebe que são roupas antigas. Brechós que não se diferenciam das ofertas de qualquer espaço feito de novidades.
De acordo com o balanço do Sebrae, até o ano passado, havia 2.305 estabelecimentos em atividade.
Predomina neles uma prática singular de intimidade. Não empregam as armas tradicionais de sedução do consumismo.
A maior parte não apresenta vitrines nem manequins. Não tem como antever o conteúdo pela calçada, do lado de fora. Trata-se de um convite para dentro, um chamado inadiável para o seu interior, para a prosa simpática e o cafezinho quente.
Brechó é casa de família, caracterizado pelo despojamento da aparência e pela cumplicidade do contato. É bem possível descobrir quem foram os antigos donos e as suas histórias.
Por que tamanha afluência desse comércio?
Mineiro conserva as suas roupas. É um sacerdócio do jeans, do linho, da seda, do poliéster, do cetim, da lã, do algodão. Não se lava quando não é necessário. E tudo é separado na triagem com extrema cerimônia e cuidado, respeitando a intensidade dos mais diferentes tecidos. Existe uma preferência por lavar à mão. Máquina é usada para as vestes mais cascudas, menos frágeis.
Natural não pôr na cesta um figurino quando foi trajado uma única vez. Não tem essa de gastar a segunda pele à toa.
Vestes mineiras são como cabelo feminino. Não devem ser molhadas todo o dia.
A roupa desfruta de uma ciência da gentileza acima das cifras. Compra-se um produto a partir da sua longevidade. Não basta ser bonito, tem que durar.
Minha esposa costuma se orgulhar do tempo das suas peças. Elogio uma delas, e ela enche a boca para dizer: já tem seis anos, sete anos, uma década.
E nem parece. A impressão é que deixou a sacola da loja ontem.
Assim ela me enche de esperança: do jeito que ela cuida de seu armário, nosso casamento vai seguir caprichoso pelo resto da vida.
Meus amigos do futebol destacam o tempo das suas chuteiras. São vaidosos da lealdade do couro. Transformam a amizade de seus calçados em superstição, acreditando que seus gols vêm da velha cumplicidade.
O que você não quer mais você repassa adiante. As roupas experimentam sucessivas reencarnações. Jamais se perdem no fundo das gavetas, jamais encontram o brilho mortuário das naftalinas.
Os botões e os fechos têm uma conduta espírita, evoluindo de mão em mão, de corpo a corpo.
O mofo é considerado o inimigo do sol. Um dos rituais mais comuns dos lares consiste em desocupar semestralmente o guarda-roupa e estender os seus habitantes de pano no varal, para tomar um pouco de ar e de luz.
Valoriza-se também o acabamento. Não se leva um casaco sem espiar o forro. Não se leva um vestido sem reparar se há algum fio solto. Não se leva uma calça sem a minúcia dos pontos em cruz do seu avesso.
Dificilmente alguém vai escolher um traje sem tirar do cabide. As cores exuberantes das araras não garantem nada.
O olhar é treinado para examinar os detalhes. O olhar aqui é uma caixinha de costura. Os olhos são as agulhas, os cílios são as linhas. Viver é bordar.