BRASÍLIA, Hoje e sempre


“Minha janela não passa de um quadrado A gente só vê Sergio Dourado Onde antes se via o Redentor.” Trecho da música Carta do Tom, de Tom Jobim

Voltei à Brasília depois de vinte anos. Eu conheci a cidade no seu nascedouro. Meu pai construiu o Catetinho. Na inauguração da cumieira do primeiro prédio em uma superquadra, 108 Sul, também obra dele, o então presidente Juscelino Kubitschek me convidou para acompanhá-lo jogando champagne no local. Vi a cidade de cima pela primeira vez aquela imensidão sem fim. O milagre da construção e o entusiasmo daqueles engenheiros, arquitetos e trabalhadores marcaram profundamente minha vida. Foi nesse dia especial que conheci meu futuro marido, Israel Pinheiro Filho. Tempos depois, fui convidada pelo Governador José Aparecido de Oliveira para ser a Secretária de Cultura do GDF. Acompanhei então o Governador na visita à Unesco em Paris quando ele, juntamente com Ângelo Oswaldo Araújo dos Santos, representante do Ministério da Cultura, foram celebrar o tombamento de Brasília como Patrimônio Mundial da Humanidade. Voltávamos de Roma do simpósio: “Roma e Brasília: Cidades da Paz”, evento que celebrava a irmandade das duas cidades. Levamos a réplica da escultura de Bruno Giorgi, “Os dois candangos” para a Prefeitura de Roma. Lá estavam também Maria Elisa Costa, filha do Lúcio Costa e Silvestre Gorgulho. Naquela ocasião, Brasília era ainda pequena. Logo ela se expandiu e se tornaria realmente “centro das grandes decisões nacionais” como dizia o presidente JK. Tempos depois, fui convidada por Pierre Weil para assumir uma diretoria na Fundação Cidade da Paz. Coincidentemente, a sede era na Granja do Ipê, Palácio Residencial, então residência de meu sogro, Israel Pinheiro, enquanto presidia a Novacap e depois como primeiro prefeito de Brasília. Mais uma vez, a memória estava preservada agora com um projeto renovador. Ali cultivamos valores de crescimento educacionais, espirituais e de preservação do meio ambiente. A antiga residência transformada num centro de aprendizado e cultura agradaria aos primeiros pioneiros dessa cidade abençoada. Deixei o Ipê para assumir a presidência da Fundação de Arte de Ouro Preto em Minas Gerais, outra cidade monumento tombada. Foi com imensa emoção que retornei à Brasília agora para ficar. Estou morando pertinho da mata, num condomínio distante, como já morei numa casa de madeira lá no início da cidade. Tenho por Brasília o amor daquelas pessoas que a viram nascer. É com grande tristeza que recebi as notícias na mídia sobre a aprovação pela Câmara Distrital do GDF do Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). O Projeto aguarda sanção do Governador do DF e propõe realizar intervenções no Plano Piloto. Lembro-me de Oscar Niemayer dizendo: “Não se pode falar em urbanismos com especulação imobiliária”. Nosso genial arquiteto tinha razão. O dinheiro, o despreparo, a total ignorância, podem suplantar a memória, a história e o imenso sacrífico que foi construir essa cidade. Em memória de meu pai, de meu sogro e de todos os pioneiros trabalhadores dessa cidade, posso apenas fazer uma oração para que esse projeto não vá adiante. Brasília tem história. Não devemos nos esquecer de todos que aqui dedicaram suas vidas.

Vera Pinheiro, 86, educadora artística, professora, autora de vários livros infanto-juvenis.

veracp.lucia@gmail.com

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