Boston
Entre as muitas crianças de nossa rua haviam poucas diferenças sociais, afinal, morávamos todos no mesmo bairro, de casas padrão produzidas pela Companhia Siderúrgica. Foram construídas para atender àquele recorte específico, naquela classe de renda. Foi assim em Monlevade, Ipatinga e outras cidades em que as grandes indústrias instalaram bairros e vilas inteiros para atender aos seus operários, classificados por poder aquisitivo e status empregatício.
Na década de1960, no entanto, haviam os riquíssimos, que tinham até geladeira em casa. Já na década de 1970, era possível encontrar um ou outro milionário que tinha um aparelho de televisão e, pasmem vocês, cheguei a conhecer, só de passagem, o pessoal de uma casa que tinha telefone. Não é mentira, não. Há dois quarteirões da nossa casa eles tinham telefone e até um Jeep Willys. Esnobes.
Algumas cidades, como Boston, nos Estados Unidos, tiveram a sorte de serem administradas por pessoas que entendiam com clareza uma máxima trazida pelo empresário Antônio Hermírio de Moraes: “Não é interessante ser rico num país de pobres, porque você pode ter quase tudo o que o dinheiro compra, mas não tem liberdade. Qual o prazer de viver numa casa bonita, confortável, se não pode sair tranquilo à rua; se tem que viver cercado de muros, cerca elétrica ou cortante, guardas e alarmes?”
Boston foi a primeira cidade americana a criar um Departamento de Saúde, em 1799 e a primeira a desenvolver estudos de uma vacina contra malária. O pioneirismo tornou-a, em meados do século XIX, grande incentivadora na criação de bibliotecas públicas e gratuitas; a instalar um distrito policial e a ter
um metrô. Para tanto, a prefeitura assumia riscos controlados e disponibilizava bens, serviços e equipamentos públicos que atendiam a toda a população. Desta forma o acesso a melhores condições de vida e desenvolvimento pessoal estava ao alcance de todos os que se interessassem.
A Comissão de Saúde Pública de Boston/EUA, ainda hoje, é uma referência nos estudos e disponibilização de informações sobre a Poliomielite e Síndrome Póspólio. Um mal que pode atingir pessoas 20-30 anos após a sequela pela doença. Fraqueza muscular, cãibras e dor, aumento da fadiga e dificuldade respiratória, podem afetar até um terço dos sobreviventes, diagnosticados com pólio.
Adoniram Barbosa, pousa seu olhar inspirado sobre o cotidiano de pessoas da base da Pirâmide de Maslow, como no nosso bairro, em Monlevade, e produz Despejo na Favela (1969), demonstrando preocupação com quem poderia perder seus preciosos bens, enquanto ele, confortável, tinha uma mudança que caberia no bolso de trás.
E importa muito observar as perdas possíveis. De um lado, ter comprometida a sua condição física por uma doença, Pólio, perfeitamente evitável, através da vacina, cuja sequela é irreversível e que ainda pode voltar a impactar o paciente no futuro. De outro, as perdas recuperáveis de bens com que o belo samba do Sr. João Rubinato (Adoniran Barbosa) presenteia nossos ouvidos e nossas emoções.
Será que um dia seguiremos o modelo de Boston?
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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8 Comments
Parabéns, Mário Sérgio, por mais um texto com diversas curiosidades. O texto nos faz querer saber mais sobre as novas descobertas da síndrome póspólio.
Importante a questão Pós-pólio, pois é um segundo momento de sofrimento para os afetados pela pólio.
A cada semana o autor Mário Sérgio Ananias nos trás mais informações com seu jeito único de escrever!
Obrigado por seu apoio e gentileza.
Excelente, realmente temos muito o que desenvolver no Brasil, principalmente para inclusão das classes, dos PCDs e de todos em geral.
Obrigado por compartilhar essa percepção.
O artigo faz uma reflexão sobre as desigualdades sociais e o desenvolvimento urbano, comparando a realidade de cidades brasileiras, como Monlevade e Ipatinga, com Boston, nos Estados Unidos. Enquanto nas cidades brasileiras os bairros operários tinham poucas diferenças sociais internas, a aquisição de bens como geladeiras e televisões representava um status elevado nas décadas de 1960 e 1970. Em contraste, Boston adotou políticas públicas avançadas, promovendo a saúde, educação e segurança, beneficiando toda a população. O texto de Mário Sérgio, perspicaz, questiona se um dia o Brasil seguirá esse modelo inclusivo e progressista.
Agradeço os seus comentários, sempre atentos e esclarecedores.