Bosco Verticale, dez anos depois: o projeto e os impactos no entorno
Primeira floresta vertical do mundo, o complexo de duas torres, 800 árvores e 20.000 plantas contribui para a redução da temperatura nas fachadas, a limpeza do ar e o bem-estar dos moradores
Há exatos 10 anos, surgia em Milão, na Itália, o Bosco Verticale: um complexo de dois arranha-céus residenciais projetados pelo Boeri Studio no distrito de Porta Nuova.
Estamos falando do primeiro exemplo de floresta vertical do mundo, que preencheu de vegetação as fachadas das duas torres que lhe compõem. Ali foram plantadas 800 árvores (480 de porte médio e grande e 300 de porte pequeno), além de 15.000 plantas perenes ou de cobertura de solo e 5.000 arbustos.
“O Bosco Verticale é o protótipo de uma nova arquitetura de biodiversidade que se concentra não apenas nos seres humanos, mas também na relação deles com outros seres vivos”, descreve o arquiteto Stefano Boeri à Casa e Jardim.
O Bosco Verticale
A ideia para o Bosco Verticale surgiu ainda em 2007, em Dubai, quando Stefano Boeri era editor-chefe da revista Domus e observava a construção frenética de uma cidade no deserto, com dezenas de torres e arranhas-céus cobertos por vidro, cerâmica ou metal.
“Esses materiais refletiam a luz do sol, gerando calor no ar e especialmente no solo urbano, onde os pedestres andavam. Era uma cidade se tornando cada vez mais artificial e mineral com suas fachadas de vidro e minerais”, diz o arquiteto italiano.
Naqueles mesmos meses, ele iniciava o projeto de duas grandes torres no centro de Milão e, de repente, ocorreu-lhe criar duas estruturas biológicas – cobertas não por vidro, mas por folhas de plantas, arbustos e árvores.
O objetivo, segundo Stefano, era contrabalançar tais edifícios absorvedores de energia e propor um novo protótipo de arquitetura, que integra a natureza viva como sua parte constitutiva.
“O aspecto verdadeiramente revolucionário do projeto não foi apenas a presença de árvores e arbustos nas varandas, mas o conceito de abrigar 800 árvores, variando de três a nove metros de altura, em vasos alinhados ao perímetro das varandas das duas torres”, explica o arquiteto.
Ele conta que se tornou uma obsessão pessoal viver entre as árvores e olhar o mundo através do filtro dos galhos, o que o levou ao primeiro edifício no qual a relação com a natureza viva foi considerada um critério fundamental de design.
No Bosco Verticale, a vegetação presente nas duas torres equivale a dois hectares de floresta, embora ocupe uma área muito pequena no centro de Milão. O projeto responde a alguns dos principais problemas das grandes cidades e contribui para a capacidade de absorção de CO2 e produção oxigênio, para a absorção de partículas de poluição e o sombreamento de superfícies e apartamentos.
“Ao contrário das fachadas ‘minerais’ de vidro ou pedra, o escudo à base de plantas não reflete ou amplia os raios solares, mas os filtra, criando assim um microclima interno acolhedor sem efeitos nocivos ao meio ambiente”, afirma Stefano.
Outro destaque do projeto, para o arquiteto, é a capacidade de aumentar a biodiversidade vegetal e a transformação de um ambiente urbano denso e poluído em um ecossistema vibrante. “Essa visão impulsiona nosso investimento global na multiplicação de florestas verticais”, afirma.
Com uma consideração cuidadosa do clima local e uma seleção apurada de espécies, os projetos do Stefano Boeri Architetti (ao qual o arquiteto está à frente hoje) reconhecem a biodiversidade de cada local.
Stefano explica, por exemplo, que os projetos de abordagem similar em Utrecht, Nanquim e Cairo são todos distintos, porque as características únicas e trajetórias de crescimento das plantas moldam a abordagem de design do escritório.
“Isso torna nossa profissão apaixonada e intrigante, pois nunca se trata de simples repetição, mas, sim, de criar soluções exclusivas adaptadas a cada ambiente”, diz.
Impactos no entorno
O Bosco Verticale foi introduzido em um contexto específico. O distrito que lhe hospeda, Porta Nuova, foi concebido como um esforço para desenvolver uma vasta área de Milão, aprimorando e reconectando três bairros adjacentes: Garibaldi, Varesine e Isola.
A área deveria considerar alguns aspectos importantes: escala humana, significância institucional e social, espaço verde e desenvolvimento baseado na sustentabilidade ambiental, social e infraestrutural.
“É indiscutível que o Bosco Verticale se tornou o símbolo de uma parte de Milão e uma característica definidora de seu horizonte – o edifício mais instagramável da Itália”, define Stefano.
Ele destaca também a sinergia entre o Bosco Verticale e o parque Biblioteca degli Alberi (BAM), que gerou benefícios substanciais para toda a área em termos de resiliência urbana às mudanças climáticas.
Mas o maior impacto da construção, sem dúvidas, é o benefício ambiental evocado pela presença das plantas, que convertem CO2 em oxigênio, sombreamento aos moradores, neutralização do efeito da ilha de calor e filtração do ar, respondendo a algumas das principais questões vividas pelas cidades europeias – hoje, sujeitas a temperaturas e níveis de poluição preocupantemente altos.
A floresta vertical ainda aumenta a biodiversidade e cria um microclima, reduzindo assim a necessidade de consumo de energia relacionado ao resfriamento. “Calculamos que a diferença de temperatura na superfície das fachadas, graças à proteção das árvores, é cerca de 30 °C menor, enquanto dentro dos apartamentos é de 3 a 4 °C”, diz Stefano.
Segundo ele, isso reduz a dependência de sistemas mecânicos de aquecimento e resfriamento, levando a economias substanciais de energia a longo prazo – e afetando positivamente a saúde pública, física e mental.
“Depois de 10 anos, podemos dizer que estamos muito orgulhosos dos resultados deste projeto – não apenas em termos de ambiente construído, mas também considerando seus resultados em termos de consenso público”, afirma.
Declinações
O protótipo milanês do Bosco Verticale, segundo ele, foi apenas um ponto de partida para uma tipologia arquitetônica viva capaz de evoluir a partir de pesquisas e estudos, e seus resultados inspiraram outros projetos.
É o caso do Trudo Vertical Forest em Eindhoven, na Holanda, a primeira floresta vertical para habitação social, que tornou a tipologia arquitetônica acessível para todos os grupos econômicos.
“Viver em contato com árvores e vegetação – e desfrutar de seus benefícios – não é uma prerrogativa exclusiva, mas pode, de fato, tornar-se uma escolha viável até mesmo para cidadãos de origens econômicas muito diferentes”, defende o profissional.
Para tornar isso possível, a equipe apostou em soluções de design que implementam pré-fabricação e gerenciamento de custos.
A fachada da torre, por exemplo, consiste em seis tipos diferentes de vasos pré-fabricados dispostos em um padrão dinâmico, projetados especificamente para acomodar várias espécies de plantas, arbustos e árvores.
“Essa abordagem nos permitiu otimizar tempo e custos e projetar o sistema de pré-fabricação com uma abordagem altamente detalhada. A estrutura principal também combina módulos pré-moldados e elementos de concreto in-situ, oferecendo-nos uma grande oportunidade de reduzir e controlar custos na gestão do local, ao mesmo tempo em que aceleramos a construção”, explica.
A mesma abordagem foi enfrentada para o sistema de irrigação, com a presença de tanques externos que coletam água da chuva e a reutilizam para irrigar os vários vasos, o que viabiliza uma alta redução de custos e consumo.
A comunhão de ideias abordaram tanto os desafios da escassez de moradias quanto as mudanças climáticas. Segundo o arquiteto, a partir da inovação contínua é possível exportar o modelo para outros contextos climáticos, acelerando o processo de florestamento urbano.
Presente e futuro
Atualmente, o escritório Stefano Boeri Architetti está envolvido em 81 projetos por 30 países, com 11 edifícios verdes já concluídos em Milão, Huanggang, Antuérpia, Nanquim, Eindhoven e Treviso e outros em construção – por exemplo, em Utrecht, Paris e Cairo.
“Em termos de evolução do ‘protótipo de floresta vertical’, os novos edifícios representam passos à frente para nós, em direção ao refinamento e adaptação da tipologia”, explica Stefano.
Em Eindhoven isso significou construir a primeira floresta vertical completamente dedicada à habitação social. Já em Huanggang, na China, a ideia foi mudar radicalmente a paisagem urbana e as expectativas das pessoas para uma futura cidade sustentável, em um lugar onde a poluição é um problema muito sério.
No Egito, por sua vez, o desafio foi se adaptar a um contexto climático diferente que tem como prioridade a gestão da água, por exemplo.
“Também estamos trabalhando, por exemplo, para a exportação da tipologia de floresta vertical em climas áridos, enfrentando outro desafio para atender às necessidades climáticas da parte do mundo que mais sofre com as mudanças climáticas”, diz Stefano.
Os projetos para a Floresta Vertical de Dubai, apresentados na COP27, ou a Floresta Vertical do Cairo são exemplos desses esforços.
A bandeira das florestas verticais
Stefano Boeri é um grande advogado das florestas verdes. Para o primeiro Fórum Mundial sobre Florestas Urbanas promovido pela FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura), o seu escritório publicou um manifesto, chamando à ação para uma campanha global sobre florestas urbanas a fim de multiplicar a presença de matas e árvores em nossas cidades.
“O objetivo é proteger e aumentar as superfícies permeáveis e verdes na cidade, criar novos parques e jardins, transformar os telhados da cidade em gramados e hortas e criar uma rede de corredores verdes para conectar parques, florestas e edifícios verdes a fim de reverter as mudanças climáticas e criar cidades mais verdes, saudáveis e agradáveis”, diz o arquiteto.
Algo semelhante foi feito durante a 83ª reunião da UNECE (Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa), onde, junto ao Norman Foster, o escritório assinou a Declaração de San Marino. O objetivo era de estabelecer um conjunto de objetivos e princípios para um design urbano sustentável e inclusivo com base em construção sustentável, pessoas, clima, recursos, natureza, cooperação interdisciplinar, florestamento e redução do consumo de terra e energia.
“A silvicultura urbana, integrando a natureza viva ao design arquitetônico, pode reduzir o risco de inundações e deslizamentos de terra nas cidades a um custo muito menor do que a infraestrutura construída”, defende o arquiteto.
Ele acrescenta que ruas arborizadas também reduzem significativamente a poluição do ar e sonora em casas próximas e fornecem espaço para recreação e comunidade.
“Além disso, a mera presença de florestas, árvores e áreas verdes nas cidades tem um impacto positivo comprovado na saúde física e mental. As árvores urbanas não apenas limpam o ar que respiramos, mas também nos acalmam, aliviam nosso estresse e ansiedade e estabilizam nossa pressão arterial. Em suma, as árvores em nossa vizinhança nos fazem sentir melhor e mais saudáveis”, sintetiza.
Para ele, assim como os humanos não podem viver sem pulmões, as cidades não podem viver sem espaços verdes – e é essencial que as árvores e florestas urbanas sejam acessíveis a todos, não apenas concentradas em bairros ricos e distritos comerciais.
Uma maneira de materializar a ideia é construindo florestas verticais, que não é a única solução contra as mudanças climáticas, mas pode ser um ponto de partida.
Nas palavras de Stefano, essas florestas podem ser “um bloco de construção que, combinado com políticas sensatas e sistemas tecnológicos sustentáveis, pode desempenhar um papel fundamental na reversão da crise climática”.
*Com informações de Casa e Jardim