Bom dia, sonhos.
Já passada a casa dos 60, percebo incomodado que algumas coisas que fazia
com certa facilidade e mesmo com alguma alegria, se tornaram penosas e,
portanto, desanimadoras. Subir escadas, trocar uma lâmpada ou fazer algum
trabalho manual, como pequenas manutenções ou instalações, já não tem tanta
graça quanto há alguns anos.
Os recursos sempre foram parcos e, muitas vezes, o que se tinha não eram
escolhas e sim possibilidades. Noutras palavras, o rei Roberto Carlos cantaria
“sou muito romântico” (Muito Romântico/1978, de Caetano Veloso), mas no caso
em tela, quero dizer que raramente havia um leque de possibilidades e sim um
limite de opções.
A vida me brindou com a honra de nascer o oitavo de onze filhos em uma cidade
de relevo bastante acidentado no interior de Minas Gerais. Também com alguns
desafios muito especiais, como a poliomielite, reumatismo infantil, úlceras
duodenais hemorrágicas, amputação traumática da mão esquerda, psoríase,
hepatite C-1, entre outras instigantes condições. Mas cada um desses pequenos
problemas, bem como seu conjunto, não foi suficiente para vencer a disposição
para lutar pela vida nem a alegria de me sentir capaz de vencê-los ou com eles
conviver com a – novamente – possível harmonia.
Reminiscências se lançam aos meus olhos enquanto observo meus netos
querendo companhia para brincar e as energias me abandonam em pouco
tempo. Nem tanto pelo cansaço, mas devido às dores significativas nos ombros
onde o Manguito Rotador, rompido há alguns meses, aguarda a cirurgia. Os
braços fortes suportavam sem grande esforço, até recentemente, aqueles
corpinhos que mais parecem um novelo de energia e amor. A musculatura
hipertrofiada pelo esforço contínuo dos braços em substituição às funções
deficitárias das pernas não foi suficiente para evitar os danos aos tendões. E o
uso da muleta tipo canadense ajudou a agravar a avaria no Manguito.
Mas engana-se quem imagina serem de desânimo tais percepções. São apenas
lembranças para insuflar em mim as verdades que o tempo se encarregou de
demonstrar: “isso não é chuva pra quem tem capote”, como dizíamos no interior.
Ao fim de mais um dia, convicto de ter exercido meu direito à vida e participado,
com muita alegria, de bons momentos com essas crianças cheias de sonhos, de
coragem e de disposição, me recolho. E antes de dormir, leio um pouco para
manter a mente saudável. Depois me entrego a alguns instantes de meditação
profunda, para reconhecer, consciente, que meu corpo, com toda e qualquer
mazela nele impressa, é um presente divino de que devo cuidar e respeitar.
Essa recarga noturna de energias, indispensável para a retomada de um novo
dia, com seus prazeres, suas dores suas despedidas e reencontros, me embala
a alma que ainda tem tantos projetos. E me descansa o corpo na calma escura
do quarto, ouvindo o bom silêncio de outro anoitecer.
Há tanto ainda por fazer. O que há no futuro de algumas horas? O sono não
responde, apenas desliga a maioria dos sentidos.
E mais um dia nasce, como por encanto.
Bom dia, sonhos.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
Whatsapp: (61) 99286-6236
Instagram: Mario S R Ananias (@mariosrananias) • Fotos e vídeos do Instagram
Linkedin: (34) Mário Sérgio Rodrigues Ananias | LinkedIn
Site: Mário S. R. Ananias – Sobre Viver com Pólio (mariosrananias.com.br)