Amor que cura
A ampla sala de espera naquele espaço de várias clínicas tinha metade dos assentos ocupados. Três pessoas na fila do equipamento de senhas e uma diante da máquina de café. Mesmo considerando a disponibilidade de Capuccino, Maquiatto, chá ou café. Consulta marcada há quatro dias, para esse
horário, com a intenção de ir ao escritório em seguida. É curioso como a maioria das pessoas, nestes recintos, apresentam ar circunspecto, endurecido ou triste, como se estar ali fosse uma condenação prévia. Mesmo sem dor ou risco iminente maior.
A sorte, se é que se pode entender dessa forma, é que a música ambiente, leve e em volume agradável, era composta de jazz, blues e bossa nova. Absolutamente inebriantes, calmas.
Vindo do elevador, por um corredor rodeado de portas de consultórios e escritórios neste prédio comercial, me chama a atenção a voz de uma mulher falando um tanto tensa ao telefone. Vejo refletida na porta de vidro fumê, a sua imagem com uma menininha de uns quatro anos. Seus olhinhos fixos em mim, com os bracinhos abertos como a se equilibrar, e os passinhos incomuns. Quando fui digitar o tipo de atendimento programado para mim, olhei para ela e, então, percebi que ela estava tentando imitar meus passos, meu jeito PcD de caminhar. Achei muito engraçado, pois meus próprios netos, em algum
momento, já haviam protagonizado cenas semelhantes.
Eu estava ali para uma consulta ao ortopedista, em razão do doloroso rompimento de tendões nos ombros. Sentei-me na terceira fileira de cadeiras e aquela fofura continuava a me olhar. Sorri para ela, que se aproximou mais de sua mãe, procurando proteção em suas pernas, pois uma mão estava digitando para obter o ticket da senha e a outra segurando o celular numa conversa interminável, que não deixava espaço para atenção àquela criança linda.
Ocuparam os dois assentos à minha frente e ela se virava o tempo todo para me olhar entre os espaldares das cadeiras. Isso me divertia e ela foi, aos poucos, se habituando a mim e às macaquices que lhe fazia.
Chamaram a senha delas e sua mãe disse a ela que ficasse ali quietinha enquanto iria até o balcão, ainda falando ao telefone.
A consulta seria para a pequena Lídia, que foi o nome que ouvi a mãe dizer à atendente.
A Lídia, se virou, ajoelhada no assento e me perguntou:
- Você tá dodói?
- Só um pouquinho…
- Por que você anda assim?…
- É que eu não tomei o remédio.
- Zé Gotinha? Eu tomei. Eu num vô ficá dodói…
- Nossa. Que legal. Você é muito linda e não vai ficar dodói, né?
- É. Você num sabe andá direito, não? Eu ando láaaaaa longe.
E fazia um gesto delicado, alongando o bracinho para indicar a distância longa que percorreria, enquanto abre um sorriso que parecia a própria expressão do divino.
A mãe chega. Ouviu a última fala dela e me pede desculpas pela Lídia. Não precisava. Foi uma terapia para a alma.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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2 Comments
Sou fã do seu trabalho, você consegui conectar às pessoas com seus textos e mensagens incríveis.
Lindíssimo! Pude até ver a menina enquanto lia. Ver seu sorriso, sentir a energia gostosa daquele momento. Obrigada Mário Sérgio Rodrigues Ananias pelos seus artigos. São um afago na alma!