A terra dos parafusos perdidos

Boa quinta feira galera apimentada de Deus! Tô por aqui de novo para trazer mais uma história que aconteceu aqui na oficina!

Um dia desses chegou um cidadão daqueles que a gente bate o olho e vê que não conhece nada de carro, mas acha que entende… O cara chegou com um Chrysler Neon… Lembra disso? Lá dá década de 1990… Eu já pensei MEU PAI DO CÉU… Que que eu vou fazer com um Chrysler Neon…

Aí o sem alma chegou falando que o carro era do sogro, que faleceu e deixou pra esposa… E que tava muito bem cuidado, era só arrumar detalhes… E pediu pra gente arrumar tudo o que tá ruim. Eu já falei logo: “Se é pra trocar tudo o que tá ruim, é melhor você trocar logo o carro…”

Mas beleza, Zé olhou tudo com muito carinho. Quando o orçamento bateu R$ 4 mil eu achei melhor ligar pro esperto. Ele deu um pulo digno de recorde olímpico, e falou que vinha aqui. Pegou item por item do orçamento e questionou, mas como aqui o serviço e firme e honesto, não encontrou picaretagem. Aí ele bateu o olho no último item:

Kit de parafusos para cabeçote de Chrysler Neon – R$ 500”

-Pô Vilson! 500 conto em um kit de parafusos???

-Cidadão de Deus, vem com o tio que eu te explico! Esses parafusos aí, você encontra em qualquer padaria… de Detroit! Aqui no Brasil meu filho, é na internet, e quando acha…

-Se eu for em São Cristóvão eu compro esses parafusos mais baratos…

Bom, eu tava num dia bom, e queria me divertir… Pra vocês que não conhecem São Cristóvão, é o bairro aqui do Rio de Janeiro onde o imperador morava. E lá hoje tem uma pá de lojas de ferramentas, autopeças, e coisas do gênero. Eu conheço de São Cristóvão, de ferramentas, autopeças e coisas do gênero… Eu sabia que lá não era mais barato, mas quis ver o cidadão se lascar…

-É mermo? Então vamo lá!

Entramos na minha viatura e rumamos de Vila Isabel para São Cristóvão. No caminho eu fui explicando pro cara:

-Seguinte: em São Cristóvão tem duas lojas de parafusos. A Toperana Parafusos e a 629 Parafusos. Vamo primeiro na Toperana, lá não deve ter… Porque esses parafusos são padrão polegada, e lá trabalha mais com métrico… Aí o atendente vai falar exatamente isso “procura na 629 parafusos”… E depois a gente vai lá.

-Por que não vamos direto na 629?

-Porque é um processo…

Chegamos na Toperana, loja arrumadinha. Prateleiras limpas, parafusos em caixinhas… Parecia joalheria. Veio um cidadão uniformizado atender a gente. Dei o parafuso na mão dele e perguntei se tinha 10 iguais. Ele pegou um paquímetro novinho, na caixa, mediu e disse que não tinha… e profetizou:

-Melhor você ir procurar na 629 Parafusos…

A 629 Parafusos é o seguinte… É um sobrado daqueles da década de 1920… Você atravessa uma portinha e sobe uma escada, que começa larga e termina estreita. Tu entra gordo e sai magrinho, saca? Cada degrau tem uma altura diferente. Você chega lá em cima e entra em outro mundo, é como se aqueles filmes sóbrios da década de 1980 vendessem parafusos… Tudo escuro, empoeirado… Sentado no canto tem um velho que já faz parte da decoração… O cidadão que tava comigo olhou o velho e perguntou:

-Ele tá bem?

-Tá sim, daqui a pouco ele tosse, você vai ver…

Nisso um gato subiu no balcão, e o sem alma falou:

-Ó gatinho, que bonitinho, psipsipsipsi…

Eu aviei: NÃO MEXE NO GATO QUE ELE NÃO É GENTE!

O cara levou a mão, o gato fez que ia dar uma escovada com a cabeça, e meteu a unha e MIAAAAAAAAU!

O cara deu um berro, e nisso ouviu-se lá das profundezas do estoque:

-QUEM MEXEU NO MEU GATOOOOOOOOO?

Eu já falei logo pro cara: não te conheço, não vim com você!

Então vem emergindo de uma nuvem negra de poeira de parafuso a dona da loja. Nos seus 65 anos, gordinha e trajando um vestidinho florido que parecia uma capa de botijão de gás.

-NÃO PODE MEXER NO GATOOOOOOO!

Engraçado que ninguém pode triscar no gato, mas ela pega ele pelo cangote e joga pro meio dos parafusos… Aí tu ouve MIAU misturado com barulho de ferro caindo… O cara começou a se explicar, eu interrompi:

-CALA A BOCA!

Botei o parafuso em cima do balcão e falei:

-Quero dez desse.

Ela pegou o parafuso, tirou da gaveta uma régua de papel escrito “Vote Aderbal verador 1992 – 08271”, mediu o parafuso e sumiu pro estoque. Nisso o velho deu uma tossida espessa, assustou todo mundo… Então ela voltou de lá com dez parafusos na mão, e começou a embrulhar tudo num jornal.

-Quanto é? – o cara perguntou

-R$ 120. – ela respondeu

-Tá vendo Vilson, tu não sabe de nada!

Aí eu cheguei e falei:

-Minha senhora: é R$120 cada, né?

-Sim!

-Se lascou, otário! Se quiser levar daqui vai morrer em mil e duzentinho!

Aí o cara deu umas voltas em torno dele mesmo, pensou, coçou a cabeça e resolveu comprar. Porque, segundo ele, aqueles eram bons, e os da internet eram vagabundos… Aí ele esticou o cartão de crédito… Deu sorte: até 2019 era só no dinheiro… Passou o cartão e quando tava tudo se encaminhando-se para a paz, ele soltou:

-Eu vou precisar da nota fiscal, tá tia?

Ela só rolou o olho pra ele… E eu já mandei:

-Bom, meu papel aqui tá cumprido! Te espero lá embaixo.

Quinze minutos depois ele descem com os olhos até fundos!

-Vilson, a velha é grossa demais!!!

-Eu sabia, agora tu sabe! Mas se tu quer parafuso diferente, só ela tem cara!

Vilson – mecânico, filósofo, palestrante e vencedor do torneio mundial de sinuca do bar do Betão – edição 2004.

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