A coluna de hoje traz um momento histórico da Proclamação da República
Dom Pedro II e a Família Imperial partem para o Exílio na madrugada de 17 de Novembro de 1889.
“Passados alguns momentos, houve um rumor na direção de uma das portas do salão onde todos se encontravam. E logo apareceu, abrindo o reposteiro, o alto vulto do Imperador. Vinha vestido de casaca, como era seu costume, e trazia na mão a inseparável cartola. Tinha a fisionomia serena, revestida embora de severidade. Mal entrou, deu alguns passos à frente e, parando no meio da sala, de cabeça erguida e olhar fixo no Coronel Mallet, interpelou-o:
Que é isto? Então vou embarcar a esta hora da noite?
Mallet respondeu, num tom respeitoso, que o governo achava mais conveniente que o Imperador embarcasse antes da madrugada.
Que governo?
O governo da República, respondeu Mallet.
Houve um curto silêncio. Volveu o Imperador:
Deodoro também está metido nisso?
Mallet respondeu que sim, que era o Chefe do Governo Provisório. E o Imperador:
Estão todos malucos!
Protestando, quase indignado, contra o adiantamento da hora da partida, dizia que não era nenhum fugitivo.
À porta do Paço havia apenas uma carruagem, trazida por Mallet, destinada, evidentemente, à Família Imperial, pois que o resto da comitiva podia muito bem ir a pé, dado o curto trajeto até o cais de embarque. Acomodaram-se, assim, no carro: o Imperador, a Imperatriz, a Princesa Isabel, o Conde d’Eu e o Príncipe Dom Pedro Augusto, muito nervoso e assustado. O Conde d’Eu teria preferido ir a pé. “
Não preciso de carro, disse êle, quero ir até à ponte [o cais] com Jaceguai e Mallet. Era ainda escuro.
O ar estava úmido e o céu carregado de nuvens. A praça fronteira ao palácio, o antigo Largo do Paço estava quase deserto. Apenas se distinguiam uns poucos vultos, colados às paredes das casas e meio ocultos nas esquinas das ruas. Na expectativa de que o embarque da Família Imperial se fizesse a qualquer momento, a praça fôra evacuada desde as primeiras horas da madrugada, passando a ser ocupada por destacamentos de fôrças militares, que isolavam o Palácio de quantos tentassem se aproximar. Finalmente, já passavam das três horas da madrugada quando o pequeno cortejo dos deportados, precedido pela carruagem com a Família Imperial, começou a mover-se em direção ao cais.
Raul Pompéia, que recorda toda a triste cena desse embarque histórico, epílogo do reinado de um homem que encarnou, num período de mais de meio século, a própria vida do País.
Diz ele: “Apareceu então o préstito dos exilados. Nada mais triste, um côche negro puxado a dois cavalos que se adiantavam a passo, de cabeça baixa, como se dormissem andando. À frente duas senhoras de negro, a pé, cobertas de véus, como a buscar caminho para o triste veículo. A marcha, um grupo de cavalheiros, que a perspectiva noturna detalhava em negro perfil. O vagaroso comboio atravessou em linha reta, do Paço, em direção ao molhe do Cais Pharoux. Por meio dos lampiões que ladeiam a entrada do molhe, passaram as senhoras. Seguiu-se o coche fechado. Quase na extremidade do molhe, o carro parou e o Senhor Dom Pedro de Alcântara apeou-se, um vulto indistinto, entre outros vultos distantes, para pisar pela última vez a terra da Pátria”
Ao passar da terra para a lancha, o Imperador ainda protestava contra o embarque naquelas condições.
Os senhores são uns doidos. Para que tanta pressa? Nós não vamos fugindo!…
A madrugada estava ainda escura, o que dificultava localizar o Parnaíba entre os vários barcos ancorados na baía. A pequena embarcação andou, assim, durante algum tempo tateando nas trevas, até descobrir e se aproximar do couraçado, de onde fizeram descer uma escada para a subida dos exilados. Ao amanhecer do dia o Imperador falou com a tripulação do navio “Parnaíba” para continuarem a servir o Brasil. E rematou:
O meu maior desejo é ter a notícia na Europa de que tudo se passou sem derramamento de sangue.”