Amazônia colombiana guarda “Capela Sistina da pré-história” com 75 mil pinturas rupestres
No coração da Amazônia colombiana, um segredo excepcional é guardado pela floresta. Paredes cobertas por 75 mil pinturas com cerca de 12,5 mil anos formam um conjunto conhecido como “a Capela Sistina da pré-história”. Os especialistas acreditam que esta seja uma das maiores coleções de arte rupestre do mundo.
“Estamos na aldeia de Cerro Azul, a aproximadamente 47 quilômetros da capital San José del Guaviare”, explica o guia William Alexander Rojas, de 29 anos, morador da região de Serranía de la Lindosa (centro-oeste da Colômbia).
Após duas horas de carro desde a cidade mais próximo, o percurso começa por uma caminhada de alguns metros em terreno plano, em meio a árvores, rochas e vinhas. Logo chega a hora de subir as montanhas que dão nome à região de Serranía. O calor e a umidade dificultam ainda mais a trilha que já é íngreme.
Três quilômetros depois, a primeira parede coberta com pinturas rupestres aparece. O tesouro pré-histórico de cor ocre é impressionante.
“Na Serranía de La Lindosa, temos cerca de 40 painéis de caverna, e desses, Cerro Azul tem cerca de 20. Por isso acreditamos ser um dos locais com maior concentração dessa manifestação [artística] na Colômbia e possivelmente no mundo”, explica o guia.
As pinturas estão gravadas nas paredes dos Tepuis, nome dado a essa espécie de montanha da região amazônica. Os tepuis são enormes penhascos de pedra cinza pálido, escondidos pelo verde das plantas e folhagens de árvores. Neles, centenas de desenhos cobrem as paredes.
O guia explica que, para os povos tradicionais que os fizeram, tratava-se de representar sua vida diária. Entre as imagens, muitos animais, traços que parecem morcegos, tartarugas, garças, alguns animais parecidos com veados. “Também acreditamos que aqui há alguns que podem representar têxteis, colheitas, rios, montanhas… E também figuras antropomórficas, humanas”, afirma o guia.
Entre os pictogramas, pesquisadores acreditam que é possível ver o desenho de animais extintos como a preguiça-gigante, também conhecida como Megatério, que desapareceu da Terra há cerca de 7.000 anos.
“Possivelmente está aqui com seus filhotes. E deste lado temos outro semelhante que está sendo caçado, como se eles estivessem em uma cena de caça, eles estão atirando algo nele”, aponta William.
Ao longo de quatro horas de passeio, quatro paredes são visitadas, com cerca de 150 metros de comprimento e 10 metros de altura. O guia leva os visitantes também a uma caverna, usada de abrigo pelos povos pré-históricos.
Um negócio de família
William guia esta visita até três vezes por semana na alta temporada. Ao lado de seu pai e de seu irmão, eles são os únicos guardiões do local.
Para visitar Cerro Azul e suas pinturas pré-históricas, as agências de turismo devem passar pela família Rojas. É necessário pagar uma taxa de 9.000 pesos (cerca de R$ 12) por pessoa, pois a manutenção da trilha é feita pela própria família sem a ajuda do Estado.
Há vinte anos, quando José Noé Rojas veio morar na região com seus filhos, os moradores locais o chamavam de louco.
“Não é segredo que todos esses setores estavam cheios de pés de coca. Quando tive a oportunidade de ver as pinturas, elas estavam em perfeitas condições e havia pessoas que iam danificá-las. E apesar de não ter estudado, entendi como este lugar é importante”, explica José Noé.
Dezenas de pesquisadores, antropólogos, arqueólogos, cientistas nacionais e internacionais vieram para estudar o local. Até mesmo o ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos deu uma coletiva de imprensa em frente a este legado pré-histórico.
A visita do presidente permitiu declarar Cerro Azul como “zona arqueológica protegida”.
Um bem inestimável para a ciência
Para Gaspar Morcote-Ríos, professor e arqueólogo da Universidade Nacional da Colômbia, o valor destas pinturas é inestimável. Ao lado de sua equipe, desde 2014 ele fez várias viagens de campo a Cerro Azul.
O arqueólogo destaca os pictogramas de homens pré-históricos ao lado de animais gigantes. “Acreditamos que estes pictogramas estão retratando a história destes povos. Grupos humanos coexistindo com uma megafauna que agora está extinta”, conta.
A reconversão das FARC
Por muitos anos, estas pinturas ficaram inacessíveis pois o departamento de Guaviare estava sob o controle das FARC, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Por conta da violência do grupo armado, poucos eram os visitantes que se atreviam a entrar na área.
Desde a assinatura dos acordos de paz em 2016, ex-guerrilheiros se tornaram guias turísticos e, em Charras Bocanero, construíram também seu museu: um antigo acampamento das FARC. O objetivo é convidar os turistas a dormir nas condições de vida do grupo durante o conflito armado.
Nos últimos anos, o município de San José del Guaviare multiplicou o número de turistas recebidos. Atualmente, são cerca de 50 mil visitantes por ano, de acordo com a prefeitura municipal.