Quando ouvir os sinos…
Um dos livros mais interessantes que li e que me fez ficar fã do autor, Ernest
Hemingway, trata de um momento complicado de romance em tempos de
guerra. Ambientado na Espanha Franquista, expõe emoções de pessoas em
risco contínuo num estado conflagrado. “Por quem os sinos dobram” é um
envolvente texto do correspondente de guerra que estrai dos personagens
sentimentos tão intensos que o conflito político em si, fica em segundo plano.
Por outro lado, na infância colorida e feliz, apesar dos poucos recursos e das
sequelas de pólio, não me recordo de ter ouvido os sinos das renas que movem
o trenó do bom velhinho. Naqueles tempos, meus devaneios infantis atribuíam
àqueles imaginários sinos a aparência dos cincerros que anunciavam o
vendedor de jabuticaba em sua carroça cheia das “pretinhas deliciosas”. Ou,
ainda, o som magoado que impunha tristeza, vindo da capela para anunciar
algum óbito na região. Mais tarde, tenho outra imagem dos sinos quando a
garganta inflamada incomodava ou doía e dizíamos que que o “badalo” estava
inchado. Era o apelido amigável para a úvula. Afinal de contas o nome correto
nenhum de nós se lembraria.
Os sinos parecem ter o condão de mexer com o imaginário. E frequentemente
são utilizados com graça e estímulo ao sucesso, à vitória. No esporte, por
exemplo, nas corridas mais longas, são tocados no início da última volta. Em
empresas comerciais, como a Havan e lojas de automóveis, frequentemente há
um pequeno sino acessível para comemorar uma meta de venda atingida. O que
dizer ainda das conexões quiméricas dos apaixonados? “Você saberá que
encontrou o amor verdadeiro quando, ao beijá-lo, ouvir sinos tocando.” A regra
era infalível. Mas hoje, com o advento das tecnologias, alguns trapaceiam
dispondo o som mecânico de algum celular a tocar sinos eletrônicos.
Em 1979, a cantora americana do Tennessee, Anita Award, lançou com grande
sucesso, a música “Ring my Bell”, de Frederick Knight,que conclama a sensação
de ouvir sinos em presença da pessoa que se ama. Mesma reflexão apresentada
pela bela personagem Prudence (Susanne Pleshette) que ao ser beijada por
Roberto (Rossano Brazzi) esperava ouvir sinos como a comemorar a conquista.
Desse memorável filme, Candelabro Italiano (1962), participou também a ótima
Lyda (Angie Dickinson).
Depois de todas essas referências, algumas delas já não tão lembradas, fica a
certeza de que muitas vezes nos valemos de imagens, sons, perfumes, toques
e olhares que nos fazem experimentar percepções e emoções ímpares. Das
quais nos lembramos por longo tempo e, mesmo que delas nos distraiamos,
aquele sino instalado no fundo da alma, ou do coração, pode voltar a soar com
esperança ou com saudade, com alegria ou, (quem sabe?), com uma sensação
de dor, de vazio ou de perda. O que não se espera, definitivamente, é a
indiferença, pois que essa seria a lástima de passar pela vida e, simplesmente
não viver.
Acredito que a felicidade é amiga de quem conhece o amor que lhe toca o sino
e sabe que ele o fará.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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