Segregação
Ah! Esses tempos de busca por votos a qualquer custo…
Nem sempre é simples identificar quem comete os erros clássicos de campanha. E também é possível observar certas campanhas carregadas de “sincericídio”, esse neologismo que expõe candidatos com posturas pouco republicanas tão arraigadas que o impedem de as mascarar completamente.
Para aqueles que gostam de cinema, o espetacular filme de 2014, estrelado pela excelente Sandra Bullock, apresenta os bastidores de uma grande campanha eleitoral. Os jogos de desinformação; as promessas sabidamente irrealizáveis; a manipulação de dados; a condução prestidigitadora da opinião pública incapaz de perceber o engodo; a força do poder econômico para direcionar votos. Nesse
longa metragem, de 1h48min que tem ainda, no elenco, Billy Bob Thornton e Anthony Mackie, dirigido por David Gordon Green, lançado no Brasil no final de março de 2016, se percebe a importância da educação e do conhecimento como forma de se proteger de candidatos despreparados.
Entre as tantas campanhas para essas eleições municipais de 2014, uma em particular me chamou a atenção. Na condição de PcD, me interessam as propostas que visem à inclusão desse recorte humano na vida social, laboral, turística, entre outras, das cidades brasileiras. Importa avaliar o empenho dos
candidatos em tornar os espaços públicos exemplos de acessibilidade e de universalização das oportunidades de integração e participação. Por outro lado, entender que não devem ser as PcD os únicos candidatos, eventualmente eleitos, a se interessar por essa contundente pauta. Seriam
poucos nessa tarefa e as mudanças necessárias estariam segregadas a um grupo reduzido, talvez relativizando as ações.
Entre as candidaturas descoladas desta pauta social, chama a atenção um candidato a prefeito no interior mineiro, na histórica e bela cidade de Santos Dumont, que propõe ao eleitorado que não “dê uma de João sem braço”. Isso é capacitismo puro. A expressão infere que as PcD, com sequela de amputação,
utilizam dessa condição para se eximir de reponsabilidades, de trabalho ou de qualquer empenho laboral, social ou profissional. “João sem braço” é sinônimo de trapaceiro, golpista, vagabundo. E a sinceridade postural negativa daquelecandidato pode nem ser compreendida pela população. No entanto pode causar espécie a uma candidata à vereança, com sequela de poliomielite, que talvez viesse a ser tratada como “Maria sem pernas”, numa profunda afronta a todos os que labutam por respeito e dignidade.
Melhor seria, quem sabe(?), demonstrar respeito, como ocorreu com o bom e saudoso sambista João Nogueira que homenageou, com um belo samba, o cidadão Natalino José do Nascimento, grande Natal da Portela. Esse senhor que teve o braço direito amputado enquanto empregado na Rede Ferroviária, nunca se deu por vencido e, com garra e determinação, transformou a Escola de Samba Portela numa das mais importantes agremiações de todos os tempos no Carnaval do Carioca, brasileiro. “O Homem de um braço só”, de 1975, demonstra respeito às pessoas, como deveriam fazer todos os candidatos, valorizando as pessoas e não tentando rotulá-las. Aproximadamente 20% da população tem alguma deficiência. Candidatos deveriam avaliar esse número, não o desprezar.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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6 Comments
Ótimo texto. Mário, você está de parabéns pelo trabalho.
Obrigado, Rafael.
Mario! Parabéns!
Acabei de ler o seu texto e fiquei impressionado com a clareza e a profundidade com que você abordou temas tão importantes e atuais. Gostei muito da forma como você expôs a questão do “sincericídio” nas campanhas eleitorais, além de ter feito uma crítica tão pertinente ao capacitismo. Essa reflexão sobre a inclusão das PcD é essencial, especialmente em tempos em que discursos preconceituosos muitas vezes passam despercebidos. A comparação que você fez com a homenagem do João Nogueira ao Natal da Portela foi um toque perfeito, mostrando que o respeito sempre deveria ser a prioridade.
Parabéns pelo texto, realmente muito bem construído!
Abraço, Glauber
Obrigado, meu amigo Glauber.
Sua gentileza estimula a continuidade do trabalho.
Texto forte e que reflete sobre uma expressão arraigada na sociedade brasileira: “João sem braço”. Eu mesmo nunca havia parado para pensar no preconceito da expressão. Claro, o tema foi abordado num contexto mais amplo, de eleição, mas fica a reflexão.
Obrigado por suas considerações, Felipe.
A conscientização é nosso estímulo.