Você não vê…
“Você não vê, mas nós estamos aí”. Essa frase encerrava um comercial antigo de uma empresa metalúrgica com raízes italianas. Um simpático senhor passeava tranquilo e sorridente por São Paulo informando sobre quando a empresa se instalou no Brasil e um cardápio dos produtos fabricados, entre eles aquele tubinho que vai do cabo à ponta de sombrinhas e guarda-chuvas para o qual ele aponta enquanto fecha o comercial com essa frase.
O bom Caetano Velloso, em “Reconvexo”, relata:
“Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega, você nem chega a me ver”
Também, Paulo Diniz, em homenagem ao Caetano, refere em “Eu quero voltar para a Bahia”:
“Eu tenho andado tão só, quem me olha nem me vê…”
Estas alusões à solidão e invisibilidade de coisas ou pessoas, têm sido observadas inúmeras vezes em canções, artigos, poesias. A sensação, para alguns idosos, inclusive, é de que nem são vistos, como se se equiparassem a algum móvel de pouca valia, esquecido num canto.
Um dos males em tempos atuais é, sabidamente, a solidão. Já em 1975, Toquinho & Vinícius de Moraes lançavam: “Um homem chamado Alfredo”, que trata do tema, com carinho e emoção, mostrando o poder de contundência fatal que o abandono causa:
“O meu vizinho do lado Se matou de solidão… …
Gente com os olhos no chão
Sempre pedindo perdão.
Gente que a gente não vê
Porque é quase nada.”
Em reportagem recente, tratando da vida dos garis e outros profissionais de limpeza, os relatos são, no mínimo, inquietantes. Há informes de que convivem, por anos, com pessoas incapazes de um cumprimento ou, até, de lhes voltarem os olhos. É como se vivessem numa dimensão paralela na qual podem ver e sentir os outros, mas não são nem vistos nem sentidos. Fato comum a muitas PcD que também se inferem por esse prisma de invisibilidade social ou funcional.
Essa fuga do olhar, a evitar responsabilidade por quaisquer demandas alheias, reflete preconceito, incapacidade de entender que todos somos seres sociais; que vivemos na interdependência uns dos outros; que os bens, materiais ou não, tem um maior valor agregado quando são frutos do trabalho de mentes, mãos, corações empenhados em tornar a vida melhor.
Compartilhar nossas capacidades e competências, nos permite desfrutar o delicioso prazer de nos saber capazes de gerar bem-estar no outro, num círculo virtuoso de integridade e realização pessoal.
Dividir o resultado de nosso trabalho ou a beleza que percebemos, tem o condão de ampliar o valor da labuta, o sentido do belo e a primazia da emoção. Isso nos torna humanos.
Quando reparte com a moça a beleza que enxerga, o grande Adoniran Barbosa empresta charme e esplendor a uma simples obra viária, o “Viaduto Santa Efigênia”:
“Venha ver Venha ver Eugênia Como ficou bonito O viaduto Santa Efigênia…”
Há profusa beleza em tantas coisas próximas que parece loucura e insensatez olhar flores ao longe não perceber a bela que se abre em nosso próprio jardim.
Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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8 Comments
Meu amigo, em meio a tanta poesia e informação, vc vai levando o seu recado adiante. Parabéns pela condução da causa. Abraços
Obrigado pelo apoio e incentivo.
artigo muito interessante
Obrigado.
A causa PcD precisa ter uma bandeira sempre hasteada.
Que belo texto! Adorei como você teceu uma reflexão profunda e tocante sobre a invisibilidade e a solidão, utilizando referências culturais que enriquecem e ilustram perfeitamente o tema. A maneira como você conecta o passado e o presente, mostrando que essa sensação de não ser visto é um sentimento comum e atemporal, é muito bem feita.
A citação de comerciais antigos, músicas de Caetano Veloso, Paulo Diniz, Toquinho & Vinícius de Moraes e a reportagem recente sobre os garis criam uma narrativa poderosa e envolvente. A analogia com a invisibilidade das pessoas, muitas vezes relegadas à marginalidade ou indiferença, é extremamente pertinente e sensível.
O trecho final, onde você fala sobre a importância de compartilhar nossas capacidades e competências, e a menção ao Adoniran Barbosa, é um fechamento magnífico, ressaltando a humanidade e a empatia. Parabéns pela escrita tão rica e reflexiva!
Obrigado pelo apoio e incentivo.
Grande abraço.
VIVER BEM é apenas viver…
Somos humanos e precisamos de humanos…
Mas ainda vamos aprender …
Convictamente.