Françoise HARDY

“E os anjos cantam”, 1944, filme do americano George Marshall, estrelado por Dorothy Lamour, lembrada por Petrúcio Maia e Fausto Nilo em 1980, numa canção homônima, interpretada por Ednardo num vinil espetacular. A mais famosa do disco, no entanto, tema de novela global, foi Pavão Mysteriozo.

O título do filme poderia ser uma feliz deferência ao nascimento, então, de dois expoentes das artes no Brasil, Chico Buarque de Holanda e Zezé Mota. Ou, ainda, um réquiem pela perda prematura, 44 anos, do escritor e piloto francês. Antoine de Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe), abatido sobre a Córsega, em missão de reconhecimento durante a guerra. Ou, talvez, do grande pintor abstrato Piet Mondrian, holandês, 71, em Nova Iorque.

Em janeiro, ocorreu a grande batalha dos aliados em Monte Cassino, contra a bestialidade representada pelo nazifascismo, com a participação da Força Expedicionária Brasileira – FEB. Batalha épica, em quatro etapas, que ceifou 105.000 vidas entre os aliados, até o cerco de Roma.

Outro evento nesse ano, facho de pura luz, dádiva divina, como se a vida recompensasse o mundo pelas vidas perdidas e pelo desamor instalado entre homens e nações, embrutecidos pela guerra, nascia Françoise Hardy. Possivelmente ela deve ter sido embalada, talvez sacudida, do ventre de sua mãe até seu primeiro ano de vida, pela explosão das bombas lançadas sobre a Paris ocupada pelos nazistas.

Vinte anos depois, em 1964, Migliacce e Zambrini compunham uma melodiosa canção, “Non son degno di te”, interpretada por Gianni Morandi, que foi sucesso internacional, tendo, inclusive, uma versão brasileira. Um dos versos dessa música inflama: “sobre montes de pedras também nascem flores”. A maravilhosa Hardy, com certeza, era essa bela flor imaculada, magnífica, que nascia sobre os escombros de Paris para encantar o mundo com sua beleza, sua delicadeza, seu olhar hipnotizante e sua voz maviosa.

Em contrapartida, infelizmente, a conflagrada devastação, em especial na Europa, irradiaria para o mundo enormes dificuldades de toda ordem, inclusive sanitárias, que aquela loucura impôs ao mundo. Assim, o pós-guerra trouxe consigo crescentes surtos de doenças e sequelas, culminando, em 1952, nos EUA, na maior epidemia de poliomielite já registrada; e, nos anos seguintes, até início da próxima década, vários países, como o Brasil, também foram tristemente afetados.

Françoise Hardy teve, em um de seus icônicos trabalhos, a participação efetiva da brasileira Tuca, no disco “La Question”. Compositora e instrumentista, era exatamente dez meses mais jovem que a parisiense. Tuca foi parceira também de Nara Leão e Geraldo Vandré; pioneira na defesa de direitos LGBT e, por ser
gorda, tornou-se vítima da imposição estética. Morreu jovem, 33 anos, em decorrência de regimes abusivos e medicamentos para emagrecer.

Mas o mal não vence sempre. E essa certeza decorre do fato de termos tido a glória de sermos contemporâneos de Françoise Hardy, que nos brindou com sua deliciosa voz por mais de cinquenta anos. E agora, aos 80, esta sobrevivente da guerra foi dolorosamente vencida pelo câncer.

Vá em paz, anjo, pois que Deus certamente a espera de braços abertos.

Mário Sérgio

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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8 Comments

  • Engraçado, me lembrei da musica toda. Pavão msterioso, É mole não me lembro de coisas
    que aconteceram hoje cedo,mas uma musica antiga me lembro de cada palavra. Kkkk

  • Gostei muito deste artigo. Excelente a narrativa de fatos históricos mesclada com a homenagem à inesquecível Françoise Hardy.

    • Alguns artistas ajudam a nos moldar e a FH, para mim, foi uma referência.

  • Bela homenagem.

  • linda homenagem!!

  • A FH é bem merecedora.

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