Will Smith calou mais do que o Chris Rock

Artigo de Wellington J C Torres Jr

O marido indignado dirigiu-se ao palco, nervos a flor da pele, pois só ele e sua família compreenderam a dor que aquela piada provocara. Sua atitude impensada pretendia agredir e calar aquele que entendia ser o agressor.
Nesses últimos dias, a ação do ator Will Smith norteou as pautas de notícias, as rodas de conversa, os posts de celebridades. É só do que se fala. Mas e o que se cala?
Não estou aqui para condenar ou defender Will Smith, estou aqui para convidá-lo a refletir sobre as oportunidades perdidas por meio desse ato intempestivo.
Durante muito tempo se lembrará dessa edição do Oscar, como “aquele do tapa do Will” e não pelo que esse evento deveria realmente representar. O primeiro silêncio nascido foi o de ofuscar a conquista alcançada pela comunidade de pessoas com deficiência de se verem representados em uma história vencedora do Oscar de Melhor Filme, de um ator surdo ganhando o de Melhor Ator Coadjuvante e homenageando sua própria comunidade.
Essas vitórias ficaram agora relegadas a notas de rodapé, aos comentários isolados e “VIVAS!” restritos à própria comunidade de Pessoas Com Deficiência (PCDs)
O outro silêncio tão significativo quanto o citado, é o da sociedade calar-se diante de uma prática de humor raso, onde se faz necessário diminuir o outro para se conseguir algumas risadas. A oportunidade perdida de abrir-se uma discussão sadia sobre os limites do humor. Não me refiro à censura, me refiro a um código de ética profissional que eleve o nível daquilo que se tem considerado aceitável entre humoristas, mas ao mesmo tempo condenável no falar coloquial das pessoas e profissionais de imprensa. Se queremos educar a sociedade a um falar não equivocado, não pernicioso, a um falar empático com o outro, o mesmo DEVE ser feito com os profissionais do humor. Ou estes não são capazes de fazer humor inteligente e necessitam sempre recorrer ao expediente de fazer menor o outro? De achincalhar a condição do outro. Ouvimos e vemos diariamente a pressão por desculpas públicas de pessoas que por inocência, desconhecimento ou por acidente usa uma expressão de gênero ou raça mal colocada. Por que não vemos com a mesma frequência a indignação da sociedade com esse tipo de “gracinhas”?
Steve Jobs certa vez disse que, me perdoem se não uso as palavras exatas, ”Se quisermos mudar a sociedade, devemos desviar o olhar do centro e prestar atenção nas bordas”. Mas o ato do Will Smith, ficou no centro, ofuscando todo o restante. Este tapa calou mais que uma conquista da comunidade PCD, calou a sociedade para uma discussão que ainda não aconteceu e que poderia contribuir para a criação de uma civilização mais humana.
Talvez se Will Smith tivesse convidado Chris Rock a refletir em público sobre o tipo de humor que fez e sobre a dor que causou, o tapa não seria físico, seria na alma e doeria muito mais no comediante.

Wellington J C Torres Jr é designer gráfico, ilustrador 2D e 3D, escritor e quadrinhista. É Conselheiro da GADIM Brasil- Aliança Global para a Inclusão da Pessoa com Deficiência na Mídia e no Entretenimento. Entre seus livros, o mais recente, “Berk”, conta a aventura de uma família em que pai e filho são cadeirantes. Também mantém postagem semanal de seu personagem de HQ, também cadeirante, Gazoo, em seu perfil no Instagram @wellington.ilustra. Wellington teve poliomielite na infância e, assim como os personagens de seu mundo criativo, usa cadeira de rodas.


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