Uma das pimentas mais ardidas do mundo saem do Brasil

Enquanto o País cresce na produção de especiarias e se torna o segundo maior exportador do mundo, comerciantes e consumidores buscam variedades cada vez mais ardidas para atender as exigências do novo paladar local

A engenheira agrônoma Juliana Pinheiro nunca gostou de pimenta e criticava, principalmente, aquela ardência que ofuscava o sabor da comida. Durante uma viagem para São Paulo, porém, seu paladar mudou. Ela foi apresentada à Carolina Reaper, conhecida como a pimenta mais ardida do mundo. Foi uma mistura de sensações e sentimentos. Juliana, erroneamente, colocou várias gotas da pimenta em uma pequena colher de chá – hoje, ela sabe que tem que sorver uma gota apenas por vez –, primeiro seus olhos lacrimejaram, sua glote fechou e sentiu-se sufocar, o ardido tomou conta de sua garganta, entrou em pânico ao imaginar que nunca mais conseguiria falar, teve um acesso de tosse, começou a chorar sem parar e bebeu dois copos cheios de leite para amenizar a sensação de explosão que seu corpo sentia. Foram 15 minutos agonizantes. Ao terminar, ela riu, e pediu por mais.

Divulgação

A experiência acabou sendo tão intensa que Juliana levou algumas sementes para o Acre, não só da Carolina Reaper, mas também da Trinidad Scorpion e Bhut Jolokia – as três mais picantes do mundo. “Percebi que as pessoas estavam cansadas do sabor dos nossos regionais e estavam procurando pimentas andinas para se satisfazerem. Achei que poderia dar uma apimentada no paladar dos acreanos”, diz. E deu certo. A engenheira, que já é proprietária de uma empresa de produção de mudas de frutíferas, expandiu seu cardápio e começou a fazer molhos ultrapicantes com as especiarias estrangeiras, se transformando na primeira da região a produzi-las e cultivá-las.

Malagueta é fraca

As três variedades usadas por Juliana são chamadas de nucleares, pois ultrapassam o nível do milhão na escala de Scoville – a unidade de medida que determina a quantidade de ardência da pimenta. A Carolina Reaper, por exemplo, tem 2,2 milhões de Unidades de Calor Scoville (SHU). O sabor frutado, mas extremamente picante, é resultado de um cruzamento entre outras duas pimentas do grupo das mais ardentes – Bhut Jolokia e Red Habanero – cada uma com mais de 1 milhão SHU. Para efeito de comparação, a pimenta malagueta, uma das mais apimentadas consumidas no Brasil, tem apenas 175 mil SHU.

Apesar de estar cada vez mais na moda utilizar as nucleares para dar um sabor picante a molhos, patês, geleias e outros produtos, o plantio e cultivo delas é extremamente exigente. O pH da terra precisa estar entre 6 e 7, menos que isso as pimentas não se desenvolvem. Elas necessitam ter uma temperatura amena durante todo o processo e o calor de 30ºC brasileiro é prejudicial para a produção. O plantio em solo carece de um local coberto com uma capa de proteção que possibilita a passagem de apenas 50% de luminosidade. As apimentadas também não toleram encharcamento e por isso nas épocas de chuva, entre dezembro e março, não é possível cultivá-las. O melhor período para plantio e colheita é entre abril e julho, visto que de agosto a novembro por ser muito quente a produtividade cai 50%.

Por essa questão do plantio, principalmente, comerciantes do sudeste, concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro, preferem tecer acordos com produtores de outras regiões do país — especialmente Espírito Santo, Pará e Bahia, que são os estados que mais produzem a especiaria. Como é o caso do Luis Fernando Cavalcante, 33 anos. Ele, junto com seu irmão, Murilo, e sua cunhada, Mônica, são proprietários da Maria Pimentas, empresa paulistana que faz molhos e patês apimentados. Sem um grande terreno e pH certo para fazer a colheita, a família tem uma lista de produtores com quem faz contratos. Eles recebem a pimenta e usam duas fábricas na capital paulista para produzir suas pimentas e comercializá-las. Um de seus molhos mais vendidos é feito justamente com a pimenta Bhut Jolokia. “O fato de contratarmos produtores de outras regiões acaba encarecendo o produto final, mas é uma garantia de qualidade”, afirma Luis.

“Comprar pimenta de outras regiões encarece o produto final, mas garante qualidade” Luis Fernando Cavalcante, empresário (Crédito:GABRIEL REIS)

Nos últimos anos, o Brasil se transformou no segundo maior exportador de pimentas do mundo, perdendo apenas para o Vietnã, produzindo mais de 145 mil toneladas do produto – 80 mil delas apenas no Espirito Santo, estado que mais fornece para o País. Só em 2021, ele foi responsável por 52% de toda a produção nacional e teve um lucro de US$ 209 milhões com a exportação. Com algumas barreiras comerciais impostas pelos Estados Unidos e a Europa. O Brasil precisou canalizar a venda para regiões alternativas como Ásia, África e Oriente Médio. Com excesso de oferta, a única preocupação agora dos produtores brasileiros é que os preços baixem. De qualquer forma, a ardência está garantida.

*Com informações de Isto É

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