VW Fusca Itamar – Memória sobre rodas
Apimentados e Apimentadas do Brasil, uma excelente quinta feira a todos! Hoje venho aqui apresentar a vocês uma das séries que temos no Podcast Perda Total: Memórias Sobre Rodas. A série já conta com alguns vídeos no nosso canal, e aqui trago para vocês a história do carro que inaugurou essa série: meu VW Fusca Itamar.
Eu escrevi um pouco sobre esse carro na nossa primeira coluna “O primeiro carro: Uma espécie em extinção”. Trata-se de um Volkswagen Fusca 1995. MIL NOVECENTOS E NOVENTA E CINCO? Sim, amigo da Pepper. E daí vem o apelido: Itamar. A VW encerrou a produção do Fusca no Brasil ainda na década de 1980. Já em 1993 o então presidente Itamar Franco solicitou que a montadora trouxesse o clássico de volta. Assim, os Fuscas fabricados entre 1994 e 1996 são conhecidos como Fusca Itamar.
Como o título da nossa primeira coluna denuncia, foi meu primeiro carro. Lá eu contei a história de como ele chegou na minha vida. Resumindo, meu pai me prometeu um carro caso eu passasse no vestibular para uma universidade federal. Após cumprir a minha parte, ele determinou um orçamento que possibilitava apenas a compra de um carro velho. Dentre as opções, para mim a melhor seria o Fusca. Da história tenebrosa que contei na primeira coluna cabe complementar que o carro, além de com problemas mecânicos, pneus carecas etc., tinha débitos no documento e multas. Na noite que o carro chegou em casa eu estava verificando a documentação e calculando o prejuízo para legalizar o carro. Foi quando eu vi o nome do antigo proprietário, e percebi que era diferente do nome da pessoa com quem meu pai negociou o carro. Foi quando ele me disse: “é porque o carro não é dele… Ele é agiota, e tomou o carro como parte do pagamento da dívida que o dono fez…”
COMO ASSIM?
Sim, amigos. Meu primeiro carro foi comprado de um agiota. Não sei, e nem quero saber, os termos do acordo do real anterior proprietário com o agiota. Só sei que o cidadão assinou o documento e cumpriu sua parte na transferência. Nada foi feito com procuração.
Voltando ao carro, como as fotos abaixo mostram a situação estava tensa: volante, bancos, forros de porta, rodas e muflas de admissão não eram originais. O esguicho do para brisas não funcionava. A parte elétrica estava um lixo. O som era inexistente. Enfim… Após quarentena em uma oficina de qualidade duvidosa, ele finalmente conseguia andar pelas próprias forças, e com documento legalizado.
Falando um pouco dessa oficina. Eu tinha pouquíssima experiência em mecânica, e zero experiência como cliente de oficina. Levamos o carro numa oficina que costumava cuidar do Corcel II do meu pai, quase 20 anos antes de comprarmos meu Fusca. Depois de várias discussões com o dono da oficina e seus mecânicos, a gota d’água veio quando eu perdi o freio na rua. Não houve sério risco de acidente, mas foi o suficiente para eu voltar à oficina e, praticamente contra a vontade do dono e dos mecânicos, solicitar a troca do cilindro mestre de freio. Pronto: o carro nunca mais teve problemas no freio, e eu nunca mais voltei nessa oficina.
Com o passar do tempo eu fui colocando as peças originais no carro. Como o orçamento permitia, lógico. Instalei um som, do mais barato… E ele ficou bem mais apresentável! Mas ainda havia um problema sério de funcionamento: todo Fusca Itamar possui dois carburadores. O que é um carburador? É o componente responsável por dosar o quanto de combustível entra nos motores, e misturar esse combustível ao ar admitido pelo motor. É uma tecnologia antiga, que foi enterrada há quase 30 anos. Enfim, normalmente os carros tinham um carburador. O meu tinha dois, um para cada metade do motor. E eles estavam desregulados. No português bem claro: metade do motor falava japonês, a outra metade falava alemão.
Na prática, o carro funcionava mal sempre. E quando parava no sinal, ele acelerava sozinho, depois desacelerava até o motor morrer. Ficou assim algumas semanas, até que um belo dia o cabo de acelerador arrebentou na rua (quem nunca, não é mesmo?). Depois de uma gambiarra, consegui levar o carro até o Pantera dos Carburadores, uma oficina pequena, de uma porta só, embaixo de um viaduto no Cachambi, Rio de Janeiro. No dia seguinte fui buscá-lo. O mecânico me recepcionou com a chave do meu carro na mão, enfiou o braço pela janela do motorista, virou a chave e o carro pegou, liso como pele de bebê. Eu fiquei até assustado, porque o ritual para ligar o fusca era quase xamânico: vira a chave, nem pouco nem muito, pisa no acelerador, espera, tenta de novo acelerando mais, espera… A partir do Pantera ele funcionava como um relógio.
E foi assim que eu o usei, praticamente todo dia durante 3 anos. Rodei pouco mais de 18 mil km (no Rio de Janeiro normalmente se roda menos do que em Brasília). E posso garantir a vocês: Fusca não é só um carro, é uma viagem no tempo. A experiência de dirigir um Fusca é sensorial, como na maioria dos carros antigos, mas tem algo a mais. Uma mistura de sons, cheiros, vibrações que morreram há tempos. Cada detalhe te marca: o modo como o carro treme ao virar a chave, as portas que se abrem sozinhas em curvas, os pneus finos com pouca aderência… Enfim, esse carro é maior que um texto, ele merece um livro!
“Ah Antonio, se era tão maravilhoso assim por que você vendeu?” Maravilhoso? Onde eu disse que era maravilhoso? Sabe aquele sentimento saudosista que vem quando você lembra de perrengues? Sim, esse mesmo. Fusca era um excelente carro, na década de 1960. Em 2010, era triste, terrível, péssimo. Uma boa experiência, sim. Assim como um treinamento na selva, passar uma noite na jaula dos leões no zoológico etc. Todo dia? Não, obrigado. O que mais me incomodava era o desempenho. Apesar de ser um dos Fuscas mais rápidos já produzidos ele era lento que só. Mais lento que os carros 1.0 da década de 2000. Não tinha ar-condicionado… Rio de Janeiro, 45º no verão, e eu de Fusca… Pois é…
Enfim, não recomendo a ninguém que compre um, a menos que seja um aficionado por carros antigos. Mas recomendo a todos pelo menos uma volta, uma ida ao mercado, levando as crianças à escola. Como eu disse, é uma viagem no tempo. Nos leva a tempos mais simples, desconectados, sensoriais. De vez em quando é bom!
Antonio Frauches, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo.
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