O primeiro carro: Uma espécie em extinção
Recentemente um colega de trabalho me contou que seu filho havia passado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem|), para cursar engenharia, na mesma conceituada universidade federal, e para o mesmo curso, que seu pai. Eu disse, no automático, como as besteiras são ditas: “Você deve estar muito feliz, aposto que vai até dar um carro pro garoto”. Para o meu espanto, ele respondeu: “Ele não quer carro, disse que um cartão de crédito para ele pagar o Uber é o suficiente. Hoje não ligam pra carro como na nossa época.”
A frase me deixou espantado, e puto… Puto pelo “como na nossa época…” porque o cidadão está indo para os 60, e eu tenho 32… E espantado por um jovem não se interessar por ter seu próprio carro, algo completamente impensável para mim, incompreensível eu diria… Ok, não sou normal. Eu sei disso, e não tento esconder. Não lembro quando comecei a gostar de carros, assim como não lembro como aprendi a andar ou a falar.
Aos 11 ou 12 anos eu já imaginava como seria ter meu próprio carro. Aos 16 eu telefonei para o DETRAN para perguntar se não existia uma brecha na lei, um jeitinho que me permitisse tirar a carteira de habilitação. Não preciso dizer que o atendente desligou na minha cara…
Um jovem não querer um primeiro carro como foi o meu, isso eu compreendo. E até incentivo… Eu estava na mesma situação do filho do meu colega, estudando para os vestibulares. Meu pai me disse: “Se você passar para uma universidade federal, eu te dou um carro.” Quando eu consegui ele me disse: “Só que eu não tenho dinheiro para te dar um carro novo…” Na hora respondi: “E quem disse que eu quero um carro novo?”
Você pode pensar “nossa, que humildade, que filho exemplar!” Pare, não foi por isso… Foi por loucura mesmo. Sempre preferi os carros antigos. Para mim a afirmação dele trouxe alívio, e não decepção. Acertado o orçamento de incríveis R$ 5 mil, fomos a caça de um Fusca. Sim: isso aconteceu já nesse milênio, e sim: já não era normal alguém ter Fusca como carro de dia a dia. Mas o pior estava por vir.
Na época R$ 5 mil eram suficientes para comprar um Fusca da década de 70 ou 80 muito bom. Eles não eram supervalorizados como são hoje. Caso você não saiba, o Fusca saiu de produção no Brasil em 1986, mas voltou de 1994 a 1996 por um incentivo um tanto quanto duvidoso do então presidente Itamar Franco. Por isso os Fuscas dessa época são chamados de Fusca Itamar. Estes últimos eram mais caros, na faixa de R$ 12 a R$ 15 mil.
Um belo dia recebo uma ligação do meu pai, dizendo que havia encontrado um Fusca Itamar muito bom, por R$ 5 mil. Eu disse “tá muito barato para ser verdade, mas vamos ver o carro”. Quando cheguei em casa a noite o carro estava lá, na calçada. Assim que o vi apenas um pensamento me ecoava na cabeça vazia: “fiz merda…”. Apesar de “inteiro por fora” e da cor branca não ter sinais de ferrugem, por dentro ele não tinha praticamente nada original. Os bancos eram de Chevette, o volante era de Brasília, o rádio era um buraco…
Tentamos colocar o carro na garagem, mas ele não funcionou. Dormiu na rua e, pela manhã, toda a gasolina do tanque havia vazado pelo carburador. Enfim, perrengues à parte, não me arrependo de ter tido essa experiência. Usei o carro por três anos, e ele me ensinou muito. Deixando um pouco de lado as memórias que têm aroma de gasolina e me levam a tempos distantes, eu entendo uma pessoa jovem, na plenitude de suas faculdades mentais, não querer ter um Fusca como primeiro carro, ou qualquer outro carro velho similar.
Mas carro nenhum é demais para a minha compreensão. Tudo bem, são outros tempos. A sociedade percebeu que algumas vezes o alugar sai mais barato que o comprar. É mais prático ter um carro on demand. Mas carros são mais que meios de transporte. A posse de um carro traz uma liberdade equiparável somente às motos, mas sem se limitar a um garupa. Você pode colocar quantos amigos quiser em um carro, dentro dos limites legais e físicos… Sair por aí e curtir.
Uber, táxi, etc. podem ser a escolha racional, mas não se trata de razão. Trata-se de romper a barreira imaginária de um app, de romper as amarras do sinal 4G, e se tornar o condutor, do seu destino. Portanto se você, jovem plugado e inserido nas tendências, não concorda comigo eu te desafio: experimente a sensação de ter essa liberdade. É bem provável que você mude de opinião.
*Antônio Frauches. Engenheiro mecânico. Entusiasta do mercado automotivo .
2 Comments
Muito legal essa nova coluna. Parabéns pelo conteúdo!
Lembrei do meu primeiro carro , um Station Wagon antigo que meu Pai tinha e eu aprendi a dirigir nele.
Na faculdade o meu primeiro carro só meu foi o Fiat 147, ano 1977.